Erasmo Carlos não é um cara que fica preso no passado. Muito pelo contrário. Quando decidiu homenagear a Jovem Guarda no disco lançado em fevereiro e na turnê que chega a Belo Horizonte neste domingo (29), no Palácio das Artes (detalhes no fim da matéria), ele não estava falando especificamente do movimento que transformou e modernizou as estruturas da música pop brasileira na segunda metade dos anos 1960.

“O futuro pertence à jovem guarda porque a velha está ultrapassada” é uma frase do revolucionário comunista russo Vladimir Lenin (1870-1924). Foi daí que a Jovem Guarda pegou seu nome para consagrar toda aquela cena de Erasmo, Roberto Carlos, Wanderléa, Golden Boys, Ronnie Von, Martinha, Renato e seus Blue Caps e outros artistas do iê-iê-iê nacional.

Erasmo Carlos vê algo mais na citação de Lenin. É uma ode às novas gerações. Por isso, quando o compositor batiza seu disco e sua turnê de “O Futuro Pertence à… Jovem Guarda”, o olhar de Erasmo também está voltado para o futuro sem deixar de perceber o que se passa no presente. O passado, essa velha roupa que não nos serve mais, como disse Belchior, nunca coube em Erasmo, que, com seu velho espírito hippie, se preocupa e se chateia.

“Quero alertar que não estamos cuidando da jovem guarda. Não estamos dando educação, saúde, para que eles possam pensar em um futuro melhor. O mundo que está aí é uma coisa horrível. A cúpula que comanda o mundo está toda errada”, ele começa a dizer ao telefone. “Com todo meu comportamento humano, que acho razoável, eu teria razões para bater no peito e dizer que sou feliz, mas não posso com tantas injustiças, ganância e egoísmo. Isso tudo me irrita”, completa, antes de falar sobre o show.

Aí o clima muda e é como se o dia nublado e frio de repente ganhasse um sol bonito da praia da Barra. “O Futuro Pertence à… Jovem Guarda”, o disco, reúne oito faixas famosas na interpretação de outros cantores e nunca antes gravadas por Erasmo. O álbum tem produção de Pupillo e direção artística de Marcus Preto. Ao trazer clássicos de quase 60 anos atrás para os dias de hoje, o trio decidiu dar uma roupagem como se as canções fossem gravadas agora pela primeira vez.

“Não gravamos com o acompanhamento típico da Jovem Guarda, procuramos evitar isso. Por causa disso, tive que repaginar todo o repertório do meu show. Todas as músicas ficaram mais atuais, caprichamos mais nos vocais”, ele comenta.

Enfileiradas no álbum, “Nasci Pra Chorar”, “O Ritmo da Chuva”, “Alguém na Multidão”, “Tijolinho”, “Esqueça”, “A Volta”, única canção escrita pelos parceiros Roberto e Erasmo, e “Devolva-me” ganham a versão do Tremendão e sua banda formada por Rike Frainer (bateria), Billy Brandão (guitarra), Maestro José Lourenço (teclados), Luiz Lopes (violão, guitarra e vocal) e Pedro Dias (baixo e vocal). “O Bom” fecha o disco. Erasmo lembra uma história curiosa sobre a canção, sucesso da Jovem Guarda na voz do mineiro Eduardo Araújo, autor da música em parceria com Carlos Imperial.

“As pessoas pensavam que eu que tinha gravado. Sempre me paravam no aeroporto, ‘vi você na Jovem Guarda cantando’. Depois, com o tempo, passei a concordar. Era mais fácil”, conta. “Agora, finalmente, podem falar porque eu canto mesmo”, diverte-se. Além do repertório do disco, Erasmo Carlos toca “Gatinha Manhosa”, “Festa de Arromba” e outras de sua fase Jovem Guarda no show, que já passou por São Paulo, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul. “Tem lotado em todos os lugares”, pontua, orgulhoso.

Para o compositor, isso se deve à força “muito grande” das músicas do movimento: “O amor dos anos 60 é um amor diferente, puro, muito ingênuo, que você só encontra nas crianças e nos cachorros. As pessoas vão em massa, elas se recordam da juventude delas e ficam felizes porque aquilo faz parte diretamente da vida delas”.

Questionado se hoje, no Brasil, há quem ocupe o lugar da Jovem Guarda - guardadas as muitas devidas proporções - no sentido de apontar novos caminhos ou protagonizar algo inovador, Erasmo Carlos pondera. Para ele, com os rumos tomados para a música digital, a mídia e o público em geral optaram por uma música “mais descompromissada, mais espetáculo, onde a dança predomina e quem quer entretenimento se diverte. Todos estão fazendo isso”. Ele classifica a música atual, do jeito que se endereçou popularmente, como um Carnaval. “Uma coisa para descontrair. É um comportamento mundial”, define.

Erasmo continua fazendo o que gosta: música que pode fazer dançar, mas também emociona e faz chorar. Ele diz que tem espaço para todo mundo, mas, ao olhar para o que é popular nas plataformas de streaming e no mundo digital, faz questão de dizer: “Meu nicho é outro”.

Tremendão e o quase atropelamento de Milton Nascimento

Nos anos 1970, Erasmo Carlos e Milton Nascimento saíam dos estúdios da extinta TV Tupi, no bairro da Urca, no Rio de Janeiro. Distraído, Milton conversava com algumas pessoas em frente a um ponto de ônibus. Bituca ficou parado na calçada. Quando foi cruzar a rua, Erasmo o interrompeu com um sopapo. O mais mineiro dos cariocas não tinha visto o ônibus se aproximar. Se não fosse o Erasmo, teria sido atropelado.

“Depois ele me disse que o safanão machucou mais do que se ele fosse atropelado”, conta, aos risos, o Tremendão, que estará em um dos três shows que Milton Nascimento fará no Rio, no início de agosto, pela turnê “A Última Sessão de Música”, que marca sua despedida dos palcos. “Será um momento histórico, Milton é um grande amigo, já gravamos juntos”, afirma o compositor.

Erasmo Carlos completou 80 anos em junho passado. Nos próximos meses, Gilberto Gil, Caetano Veloso, Paulinho da Viola e o próprio Bituca chegam à mesma idade. Em 2021, Roberto Carlos e Bob Dylan também completaram 80. Erasmo se refere à turma nascida nos primeiros anos da década de 1940 como “geração de ouro”: “Tenho o maior orgulho de fazer parte dessa galera, uma geração que aparece de 200 em 200 anos”.

Se pudesse dar um conselho aos quase octogenários, Erasmo seria sucinto: “Diria para eles curtirem completamente, porque não dói”. Em seguida, com seu jeitão fora da lei, o cantor diz que fazer 80 não lhe causou nenhum sentimento diferente. Chegar aos 78 ou 79 deu na mesma. “Não muda nada. Não são essas datas redondas que me fazem pensar na vida. Eu penso diariamente”, arremata o Tremendão.

Programe-se

Erasmo Carlos apresenta o show “O Futuro Pertence à… Jovem Guarda”, do disco lançado em fevereiro, neste domingo (29), às 20h, no Palácio das Artes (av. Afonso Pena, 1.537 - Centro). Ingressos a partir de R$ 90 na plataforma Eventim.