As histórias de três mulheres ganham corpo com a atuação de Inês Peixoto no espetáculo “Órfãs de Dinheiro”, que estreia nesta quarta-feira e permanece em cartaz até este domingo, no Teatro João Ceschiatti. Integrante do Grupo Galpão, a atriz apresenta, agora, o seu primeiro monólogo, com texto também assinado por ela e direção de Eduardo Moreira, que também faz parte do Galpão. Em comum, as personagens interpretadas por Inês compartilham a experiência do deslocamento forçado por diferentes motivos, mas que se conectam pela questão da vulnerabilidade social e financeira.
No palco, sentada sobre uma canoa, Inês encarna cada uma destas personagens numa sequência. A primeira que ela dá vida é uma mulher cuja infância é uma ferida aberta. Vendida pelo pai para ser explorada sexualmente, ela, já adulta, rememora esse passado perturbador, que, infelizmente, ainda encontra grave paralelo com o que acontece hoje na sociedade brasileira.
“No Brasil, essa é uma questão que persiste. Vira e mexe nós temos contato com trabalhos, tanto ficcionais quanto de não ficção, que abordam esse problema, que impacta terrivelmente o destino de muitas pessoas”, observa Inês.
Já a trajetória da segunda mulher é atravessada pela necessidade de deixar seu país em razão de um conflito generalizado. “Ela acaba fazendo uma travessia perigosa e carrega nos braços uma criança de 10 meses. Ela praticamente perde sua história por conta dessa instabilidade”, completa a atriz.
A terceira personagem compartilha com essa uma situação semelhante, sendo ela também obrigada a migrar, mas, diferentemente da segunda, ela transita do interior do Brasil para os grandes centros urbanos. Sua necessidade de mudança tem, principalmente, origem na precariedade social e econômica. “Ela é quase uma Macabéa (personagem do livro ‘A Hora da Estrela’, de Clarice Lispector). É uma mulher que ocupa funções em uma cadeia de emprego em que as pessoas são muito violentadas, abusadas.
Ela é uma empregada doméstica. Então, a partir dos relatos dela, nós percebemos como ela é explorada de muitas maneiras”, explica Inês.
Processo
A atriz concebeu essas três histórias a partir de uma pesquisa que vem realizando há anos. Mas o clique para ela começar a escrever veio mesmo após a leitura da tese de doutorado de Paulo Moreira, que analisou os contos do brasileiro Guimarães Rosa, do norte-americano William Faulkner e do mexicano Juan Rulfo.
“Dentro do livro dele há uma seção em que ele chama atenção para as personagens femininas desses autores que aparecem em questão de extrema vulnerabilidade. Elas sofrem uma série de violências porque elas não têm uma forma de sustentação. O capítulo chamado ‘Órfãs de Dinheiro’ foi o que me abriu uma chave para se pensar a estrutura do meu monólogo”, conta Inês.
Apesar de lidar com temas duros, a artista frisa que o espetáculo não é tomado por uma visão melancólica da trajetória dessas mulheres. “A peça tem um registro tragicômico. As narrativas são muito vivas, e tento colocar as histórias dessas mulheres em uma moldura da fabulação. Tudo acontece a partir de uma canoa, e isso leva o espectador, além da própria encenação, para outra atmosfera. Isso abre um campo de possibilidades, tornando todas essas histórias parte de uma grande fábula, o que faz com que essas temáticas sejam bastante atuais e universais”, comenta Inês.
A canoa, dessa forma, faz sentido para todas as mulheres representadas pela atriz, sendo um elemento que, de alguma maneira, insere-se no relato de todas elas. Para além disso, ela ressalta o caráter simbólico dessa imagem. “Quando comecei a criar o espetáculo, pensei na imagem de uma mulher sentada sozinha em uma canoa. Isso, simbolicamente, pode trazer várias interpretações, a principal delas acho que é a ideia de travessia mesmo. Nós, mulheres, estamos em uma travessia, quer dizer que ela está em um processo, e nós temos ainda uma longa jornada pela frente. A canoa, então, se transforma em múltiplos significados. E em cada história ela assume um sentido, sendo ora meio de fuga, ora veículo de uma esperança”, conclui Inês.
A peça está em cartaz de quarta a sáb., às 20h, e dom., às 19h, no Teatro João Cheschiatti (av. Afonso Pena, 1.537). Ingressos: R$ 30 e R$ 15 (meia).