A escritora e dramaturga Guiomar de Grammont autografa hoje em Belo Horizonte seu mais recente livro, "Aleijadinho e o Aeroplano: O Paraíso Barroco e a Construção Nacional" (editora Civilização Brasileira). Resultado de sua tese de doutorado, defendida em 2002 na Universidade de São Paulo (USP), a obra analisa o processo de construção do mito de Aleijadinho ao longo dos séculos. "No início, meu doutorado era sobre o conceito de ‘barroco’ na literatura brasileira e latino-americana", conta Grammont. "O estudo desse conceito me fez elaborar a idéia do ‘herói barroco’, o que nos textos do escritor Lezama Lima é chamado de ‘senhor barroco’. Esse estudo me levou, imediatamente, a me interessar pela figura do Aleijadinho, que era nossa expressão mais acabada de ‘herói barroco’", explica ela. A escritora conta que no início chegou mesmo a ficar desanimada com a enorme quantidade de livros sobre o assunto. Mas que, com o tempo, no entanto, acabou se dando conta de que a bibliografia sobre o assunto era muito repetitiva. "A maior parte dela recontava, com outras palavras, a primeira biografia de Aleijadinho realizada por Rodrigo Ferreira Bretas, 40 anos após a morte do artífice", explica.

Polêmica. Lido (ou não lido?) pelos resenhistas de plantão, o livro acabou gerando polêmica já logo na semana em que foi lançado. Segundo estes jornalistas travestidos de críticos, Grammont queria matar Aleijadinho. "Meu livro não desfaz o mito criado na história. Ele apenas mostra que esse mito não é sagrado e atemporal. Pelo contrário: ele se modificou a cada momento da história, de acordo com os interesses políticos e estéticos de cada época", conta. Para ela, o Antônio Francisco Lisboa que os documentos de fato revelam é uma figura com uma vida muito menos espetacular do que o personagem consagrado pela história. Porém, muito mais coerente com seu contexto histórico. "Aleijadinho tornou-se um monstro sagrado. Uma espécie de Hefesto, deus capaz de forjar maravilhas, indefinidamente. Para mim, torná-lo esse ser inumano, grotesco, deslocado do seu tempo, é uma grande injustiça para com o escultor." Para Guiomar é inconcebível que todas as obras importantes do período levassem a assinatura de Aleijadinho. Uma inverdade histórica que desrespeitaria a obra comprovadamente produzida pelo ateliê do talentoso artífice Antônio Francisco Lisboa, que recebeu, talvez após a morte, a alcunha de Aleijadinho. "Meu livro, na verdade, é uma homenagem a todos os artífices que, como ele, viveram em Vila Rica no período colonial".

Agenda

O que: Lançamento do livro "Aleijadinho e o Aeroplano", de Guiomar de Grammont, no projeto Sempre um Papo
QUANDO: Hoje, às 19h30, na sala Juvenal Dias do Palácio das Artes. (av. Afonso Pena, 1.537, centro).
Quanto: Entrada franca.



Será? Retrato de Aleijadinho feito provavelmente no século XX

Criando um mito

"Mário de Andrade e o movimento modernista foram os principais criadores do mito do ‘herói barroco’ tal como o compreendemos hoje: personagem macunaímico que ‘devora’ a cultura do colonizador e a digere, antropofagicamente, mesclando-a com sua própria cultura. O resultado são formas híbridas, manifestações artísticas que mesclam ambas as culturas, como no sincretismo religioso. Essa figura alquímica tornou-se o paradigma da própria cultura brasileira. É uma imagem tão forte que hoje tornou-se a forma como definimos nossa própria cultura e como a apresentamos ao mundo" Guiomar de Grammont