Raridades

Ao vivo e solto, Jards Macalé põe à prova sua liberdade

Box traz gravações inéditas e registro de show feito pelo músico no Presídio da Papuda em 1978

Por Raphael Vidigal
Publicado em 05 de junho de 2018 | 03:00
 
 
Jards Macalé canta “Pai e Mãe”, de Gilberto Gil, “Cabritada Mal Sucedida”, de Geraldo Pereira, e outras preciosidades Andria Possamai/divulgação

Antes de lançar seu primeiro CD de inéditas em 20 anos – o último foi “O Q Faço É Música” (1998) – Jards Macalé, 75, tem outra oportunidade de ser descoberto pelas gerações mais novas. Através do selo Discobertas, Marcelo Fróes compilou em um box quatro discos com gravações do músico em cima do palco (ou quase), justamente batizado como “Jards Macalé: Ao Vivo!”. A exceção fica por conta de “Let’s Play That”, registro em estúdio na companhia de Naná Vasconcelos (1944-2016), ao estilo de uma “jam session” e lançado originalmente em 1994. Por já ser conhecida, a gravação é menos interessante que as outras três raridades, ainda que ouvir Macalé e Vasconcelos emendando canções com a técnica e a improvisação que lhes é peculiar jamais soe como óbvio. 

Somadas todas as músicas, o lançamento engloba 53 faixas, com algumas repetições, já que Macalé jamais se furtou, ao longo das décadas, de bisar canções através de seu habilidoso método de, a cada apresentação, dar a elas uma nova cara: fosse pelo arranjo ou, simplesmente, pela maneira de interpretar. Essa característica provavelmente é a qualidade que diferencia o artista de outros músicos de sua geração. A irreverência de Macalé o permite errar, desafinar, esquecer o acorde ou mudar a nota, pois, como ele mesmo afirma em dado momento do disco, “música existe pra gente inventar”.

Cadeia. A tal frase foi dita por Macalé durante o show feito pelo músico no Presídio da Papuda, em Brasília, quando corria o ano de 1978, precisamente no dia 11 de setembro, presente no disco “Jards Macalé Canta no Presídio”. O convite para cantar na cadeia veio logo após uma detenção de Macalé em Vitória (ES), quando se apresentara com Moreira da Silva (1902-2000) e, inocentemente, acabou pego com uma pequena quantidade de maconha. O desagravo rendeu ao músico a oportunidade de levar para os detentos sucessos da lavra de Moreira, quase sempre associados à marginalidade.

E é aí que Macalé se deleita, entremeando músicas como “Vara Criminal” e deboches do tipo: “Se a polícia não descobre, eu ficava rico/ e meu patrão ficava pobre”. Na sequência, o músico, visivelmente à vontade, convida a plateia a cantar com ele “Pistom de Gafieira”, definindo, inclusive, que o andamento da música corra mais lento e que ela seja executada mais baixa, para que o protagonismo seja dos ouvintes. A mesma estratégia é utilizada no xote do próprio Macalé, “Sim ou Não”, em que um galanteador desajeitado tenta paquerar uma moça.

Mas o grande momento desse registro inédito fica para “Olha o Padilha”, bem-humorada “homenagem” ao delegado que assombrava a malandragem carioca nos idos anos 50. Ao fim desse samba de breque, os efusivos aplausos do público confirmam o êxito da empreitada de Macalé.

Em “A Volta Para Vitória”, o cantor, no ano de 1981, mistura o cômico de “Orora Analfabeta” com o lirismo de “Hotel das Estrelas”, num show preciso e enxuto. Duplo, o CD “Contrastes ao Vivo” capta o anfitrião em 1977, dando voz a preciosidades da estirpe de “Poema da Rosa” e cantando com Fagner a desesperada e lúcida “Soluços”.