A plateia adquire os ingressos, entra na sala escura e a mágica do cinema começa na tela do antigo Cine Santa Tereza, localizado no bairro homônimo, sede da mostra CineBH.

Mas é tudo muito rápido. Logo após o término do festival, marcado para a próxima quinta-feira, as luzes se apagam, os 400 lugares ficam completamente vazios e o Cine Santa Tereza se fecha novamente. Vai reabrir só 12 meses depois, por um curto período de tempo, para o mesmo evento.

Comparado aos outros cinemas de rua de Belo Horizonte, até que o Cine Santa Tereza tem sorte por voltar à ativa vez ou outra – e também por acabar de receber a notícia de que a Prefeitura vai abrir edital para revitalização da sala, no valor de R$ 1,3 milhão, patrocínio da Vale. Nomes como Odeon, Candelária, Metrópole, Jacques, Brasil, Pathé, Roxy e, mais recentemente, o Usina existem apenas na memória dos cinéfilos. Alguns foram demolidos, outros fechados; terceiros, ainda, deram lugar a atrações que nada têm a ver com a sétima arte.

“A decadência dos grandes cinemas de rua, inspirados nos ‘movie-palaces’ norte-americanos, começou nos anos 1970, mas foi definitiva no fim da década de 1980”, pontua o cineasta e pesquisador Ataídes Braga, autor do livro “O Fim das Coisas – As Salas de Cinema de Belo Horizonte”. A crise financeira, o crescimento da violência nos centros urbanos e a popularização da TV e do videocassete são alguns dos fatores que levaram à derrocada.

A proliferação das pornochanchadas marcou essa fase, seguida pela exibição de filmes de sexo explícito. “Eram películas mais baratas, que estavam sendo liberadas pela censura. Isso afastou o público habitual, que encarava a ida ao cinema como um evento social e de lazer”, explica Braga.

Filmes juvenis de pancadaria e artes marciais foram outra vertente bastante explorada para aumentar a frequência, especialmente no Cine Brasil, na praça Sete, inaugurado em 1932. “O espaço era bastante popular, tanto pelo público quanto pelos filmes. Como os ingressos eram quase de graça, o Cine Brasil já foi considerado o terceiro cinema de maior frequência do país e o maior de Minas’, contextualiza Braga.

Fim de uma era. Nem mesmo os filmes de apelo popular ou pornográfico, porém, foram capazes de impedir a queda dos cinemas de rua. Em Belo Horizonte, o principal marco aconteceu em 1983: a demolição do célebre Cine Metrópole, na rua da Bahia, palco de filmes de ponta, para a construção de uma agência do banco Bradesco.

“Houve protestos, movimentos, passeatas, mas não adiantou nada”, lembra o crítico de cinema Fábio Leite. “Daí para frente, os cinemas foram fechados na calada da noite”.

Entre os demolidos, estão o Jacques, na rua Tupis, que deu origem ao shopping Cidade, e o Cine Candelária, na praça Raul Soares, destruído por um incêndio, em 2004. “O Candelária era palco de filmes europeus e norte-americanos de distribuidoras pequenas. Lembro de ter visto lá ‘A Dança dos Vampiros’, de Polanski”, recorda.

Descaracterizados. Alguns espaços ainda sobrevivem, mas totalmente descaracterizados. É o caso do Cine Regina, na rua da Bahia, inaugurado em novembro de 1971. Antigo reduto de filmes “de arte” ou “de repertório”, transformou-se em cinema pornográfico, de propriedade de uma obscura empresa paulista. Já o Odeon, no bairro Floresta, virou igreja evangélica e, atualmente, funciona como sauna gay. Por fim, o Cine Roxy, no Barro Preto, deu origem a uma pista de patinação. Durou pouco. Atualmente, é uma pequena galeria de lojas. O Cine México, na avenida Oiapoque, virou cinema pornográfico, depois estacionamento. Hoje, está fechado.

Outro exemplo emblemático de descaso é o Cine Pathé, na Savassi, que, com suas mil cadeiras luxuosas, conseguiu resistir à decadência até 1995. A fachada, apesar do aspecto abandonado, é tombada, mas o espaço já foi usado como sede de igreja e estacionamento. Também está fechado. “Fala-se em revitalização, mas as chances são longínquas. Os proprietários não têm o menor interesse de que ele volte a funcionar. Já tentei negociações e apoio da prefeitura, mas não deu em nada”, lamenta a socióloga Celina Albano, autora do livro de memórias “Cine Pathé”. “Lá assisti a muitos grandes filmes, como ‘Cidadão Kane’, de Orson Welles”, lembra.

Exceções. Ainda bem que há exceções nessa triste história. Que o diga o Cine Palladium, na rua Rio de Janeiro, que, 11 anos após o fechamento, acabou de renascer na forma do Sesc Palladium. “Planejamos um teatro para abrigar várias linguagens culturais, não apenas cinema. O antigo espaço do cinema, com 1.058 lugares, deu espaço ao grande teatro, com 1.321 cadeiras”, afirma o gerente do Sesc Palladium, Fernando Penido.

O cinema em si é pequeno: tem apenas 82 lugares, mas já abrigou o Indie 2011 e também uma parte da mostra CineBH. “Estamos planejando uma mostra de cinema espanhol. Também outra de filmes de animação está programada para acontecer entre 25 a 30 de outubro”, adianta Penido. A programação é gratuita.

O Cine Brasil deverá igualmente renascer em breve, com o Espaço Cultural V & M do Brasil. “Teremos um cinema de 1.100 lugares”, informa a assessoria de imprensa do grupo. Haverá também salão multiuso, com capacidade para 800 pessoas, miniteatro e café-livraria, com entrada pela rua Carijós. Ainda não há data definida de reinauguração.

História
- A primeira exibição de cinema em Minas aconteceu em Juiz de Fora, em 23 de julho de 1897.
- A população de Belo Horizonte assistiu ao primeiro filme na tela grande em 10 de julho de 1898, há 113 anos.

Monopólio
- A maioria dos antigos cinemas de rua era dominada pela mesma empresa. Só a Companhia Cinemas e Teatros Minas Gerais detinha 14 salas, entre elas o Cine Brasil e o Metrópole.

Blockbusters
- O BH Shopping, no Belvedere, inaugurou as duas primeiras salas de cinema em malls na capital mineira em 1980. Só 11 anos depois, o Shopping Cidade, no centro, abriu espaço para a telona, com três salas.