Em tempos de confinamento forçado, a quarentena de alguns idosos em Belo Horizonte tem sido pelo menos um pouco mais colorida em alguns lares da capital. Os traços de artistas que já colorem BH em grafites e murais espalhados pelas ruas da cidade agora estão transformados em caderno para colorir e são um alento para pelo menos mil idosos que vivem em lares de Belo Horizonte e da Região Metropolitana durante a pandemia.
Os desenhos, que já são conhecidos na paisagem da cidade, estão sendo distribuídos em 40 instituições filantrópicas de longa permanência. Juntos aos cadernos são entregues também um kit com lápis de cor, apontador e borracha.
Com a restrição de visitação de familiares e voluntários aos asilos, a ação "Gentilezas para colorir" faz parte do "Movimento Gentileza", que criou 14 ilustrações com temas ligados à população da terceira idade que estimulam a criatividade, memória e imaginação.
Neste mês, o bolinho mais famoso de Belo Horizonte, personagem criado pela artista Maria Raquel, ocupa as páginas dos cadernos. Em abril, foi a vez das ilustrações do designer Fernando Perdigão. Para os próximos meses já estão confirmadas as participações dos artistas visuais Binho, Prisca Paes, Ramar e Tão. O sucesso tem sido tanto entre os idosos que a ideia é que o projeto continue pelo menos até o fim do ano, sempre com a participação de um novo artista a cada mês.
De acordo com a mobilizadora do Movimento Gentileza, Simone Araújo, a expectativa é que, até o fim da quarentena, uma exposição seja realizada com os desenhos coloridos como forma de homenagear os idosos e em agradecimento aos artistas. Segundo Simone, para evitar qualquer risco aos idosos, que fazem parte do grupo de risco de contágio da Covid-19, os kits estão sendo higienizados antes de serem entregues. Todos os materiais estão sendo produzidos e doados por voluntários.
"Em apenas duas semanas conseguimos organizar e disponibilizar esse material. Tudo é feito de forma colaborativa através de doações. Eu e outra pessoas que higienizamos esses kits com luvas e álcool em gel, e quando esse material chega aos lares, ele é higienizado outra vez. Tudo é feito com muito cuidado e segurança. É uma ação simples, mas que, em um momento que os idosos estão sem opcão de lazer, é uma alternativa para preencher o tempo deles. Ao mesmo tempo, queremos levar alegria, o caderno e os desenhos despertam uma memória afetiva, porque são situações que eles vivem. As cores simbolizam o arco-íris, que vêm como um sinal de esperança e são um alívio nesse momento que os idosos estão longe do convívio da família e da comunidade", avalia Simone.
No Lar Recanto Feliz São Francisco de Assis, que fica no bairro Betânia, na Região Oeste de Belo Horizonte, enquanto colorem os famosos bolinhos espalhados pelas ruas da capital, as 18 idosas, que vivem no local, também comem cupcakes preparados pelas cuidadoras. A atividade acontece diariamente durante duas horas e meia. Mas se fosse levar em conta a vontade das "meninas", como elas gostam de serem chamadas, o dia seria dedicado só para colorir, garante a coordenadora do lar, Lúcia Helena de Paula.
"Desde março não temos mais visitas e ajuda de voluntários. Tem sido um trabalho difícil, porque não podemos realizar atividades de danças, reza e caminhadas na rua. Por isso, esse tem sido um momento em que elas interagem, cantam, relembram as histórias da infância. O fato de cada uma ter seu próprio material é algo pequeno, mas que para elas significa muito, porque a maioria não tem nada, nem a família mais, então ter nem que for um lápis de cor alivia o momento de angústia, porque elas estão sentindo, elas estão mais nervosas, ansiosas e tristes mesmo que algumas não entendem o que estamos vivendo", explica.
Segundo Lúcia, a pandemia tem angustiado não só os idosos que já vivem isolados, mas criou também outro alerta aos cuidadores. "Colorir ajuda até os profissionais que continuam trabalhando, porque sem o auxílio de ninguém de fora, eles estão tensos, eles têm uma responsabilidade enorme de higienização e cuidado para proteger os idosos. Como muitas atividades estão suspensas, eles precisam se desdobrar muito mais para distraírem nossas meninas. Não é só trancar esses idosos e colocá-los em casa, eles estão tristes. Até as doações de fraldas, alimentos e outros materiais sumiram", completa.
Mária Júlia Batista dos Santos, de 74 anos, vive há dois anos no Lar Recanto Feliz São Francisco de Assis. Antes de ir para lá por ironia do destino, como ela mesmo define, ela também era cuidadora de idosos. Sem a visita do único filho, a aposentada sente falta de coisas simples, como ir ao supermercado e conversar com o lixeiro. "Não sair de casa não é fácil, é como se sentir presa. Saudade de ir colocar o lixo para fora e conversar com o lixeiro, com o vizinho, perguntar como eles estão. Então colorir tem sido ótimo, passa o tempo, distrai a cabeça, eu já tenho uma pastinha cheia de desenho para mostrar depois para quem vier me visitar", conta animada.
Emoção.
Conhecido por seus desenhos em formas geométricas e arabescos, o artista plástico mineiro Fernando Perdigão foi o primeiro a participar do projeto. Em apenas duas semanas, ele desenvolveu vários desenhos inspirados em sua própria vivência. Os temas foram amor, alegria, amizade e respeito. "Eu quero muito ver o resultado, não pela questão técnica, mas como esses idosos vão entender a proposta do ponto de vista do coração e da emoção mesmo. Quero que eles lembrem da roça, do fogão a lenha, do cafezinho com os amigos. A ideia é passar uma mensagem simples, mas que leve um pouco de tranquilidade nesse momento tão difícil", destacou.
Outro lado.
De acordo com a prefeitura de Belo Horizonte já foram destinados R$ 3 milhões para o reforço nas ações de cuidado e prevenção aos idosos durante a pandemia do novo coronavírus. Desde do dia 17 de março, a PBH destacou que tem orientado as entidades parceiras que executam os serviços de acolhimento de idosos na capital a reforçarem o cuidado da higiene, incluindo a suspensão de visita às unidades.
Até o momento, nenhum idoso que vive nesses lares foi diagnosticado com o novo coronavírus. Atualmente, Belo Horizonte conta com 28 Instituições na rede de acolhimento a idosos vinculadas ao Sistema Único de Assistência Social. Ao todo, são 906 vagas nas instituições parceiras da Prefeitura, sendo que 80% delas estão ocupadas.
Doações
Quem quiser doar lápis de cor, apontadores e borrachas também pode participar do projeto entrando em contato através do Instagram @movimentogentileza.
Já o Lar Recanto Feliz São Francisco de Assis, mesmo fechado para visitas, continua recebendo doações de alimentos e fraldas. Quem quiser ajudar pode entrar em contato pelo telefone: (31) 9 9657-0071