Música

Criolo abre sua boca de lobo

Rapper traz a BH turnê que alia sucessos da carreira à sua mais recente canção, com forte viés de denúncia política

Por Raphael Vidigal
Publicado em 14 de dezembro de 2018 | 03:00
 
 
“Quando se ridiculariza a importância dos processos de pensar, se tem eleito alguém que nem vai a debates”, critica o rapper Criolo divulgação

Mais de uma vez, Criolo, 43, passou pela mesma situação. Acompanhado por seu pai, ele entrava em um pequeno mercado no centro da cidade de São Paulo, e o fato se repetia. “Os seguranças ficavam nos seguindo até a gente perceber. O Brasil é um país racista”, declara. Foi esse constrangimento cotidiano que, aliado ao caso de Rafael Braga (condenado à prisão por portar uma garrafa de desinfetante durante as manifestações de junho de 2013), deu o primeiro disparo para “Boca de Lobo”, parceria com os músicos Daniel Ganjaman e Nave.

A canção, com mais de 60 versos, batiza a turnê que o rapper traz neste sábado (15) a Belo Horizonte. “A boca de lobo (nome para grades protetoras de bueiros) pode ser solução ou problema. Se você vai jogando o lixo ali em cima e esparramando tudo o que tem de podre, uma hora aquilo entope e talvez a enchente de podridão chegue até você, que acha que nunca será atingido. Mas, se você souber lidar com aquilo da forma correta, aí está tudo certo”, explica Criolo.

Com citações que vão do líder religioso Dalai Lama ao escritor argelino Albert Camus, passando pelo sucesso cinematográfico “La La Land”, a música ganhou um videoclipe com diversas alusões implícitas. “São mais de cem referências escondidas, você tem que ver frame a frame”, avisa o compositor. A aventura audiovisual nasceu de um sonho que o próprio Criolo admite ser megalomaníaco. Dirigido por Denis Cisma, o produto final envolveu quase 300 pessoas.

“Eu deixei a galera livre para criar, todo mundo contribuiu, nunca acreditei que iria acontecer uma coisa tão audaciosa. A parte de efeitos visuais e sonoros é brutal. Eu teria que trabalhar mais uns dez anos da minha vida para ter condições de pagar por isso”, confessa. As imagens revelam uma cidade em decomposição, dominada por animais gigantescos e monstruosos, como ratos, cobras, porcos, urubus e morcegos.

E não para por aí. Personagens da política nacional, como o ex-governador Sérgio Cabral e o ex-ministro Geddel Vieira Lima, também comparecem, assim como pessoas batendo panelas e uma mulher que veste uma camiseta com os dizeres “recatada e do lar”, expressão que ficou famosa depois de ser utilizada por uma revista para enaltecer a atual primeira-dama, Marcela Temer. “É o Brasil como é, um para o pobre e outro para o rico”, define Criolo.

Numa das últimas cenas, a silhueta de uma mulher aparece à luz de uma fogueira e lembra a vereadora Marielle Franco (1979-2018), assassinada no mês de março em crime até hoje não solucionado pela polícia. “A morte da Marielle me impactou demais. Eu tenho dentro de casa o exemplo de uma mãe que luta por arte, educação e cultura desde que eu era criança. Quem está nessa batalha de dentro da quebrada, dos cantos mais frágeis da sociedade, vive com uma mira na testa o tempo inteiro”, afirma.

No início do ano, Criolo colocou na rede outro single que teve as mazelas sociais do país como ponto de partida. Composto por Ricardo Rabelo e Willian Borges, “Povo Guerreiro” surgiu numa roda de samba que há 14 anos acontece no Grajaú, bairro da capital paulista onde Criolo foi criado. “Lutamos para viver só mais um dia, porque se eu sair sou um alvo, o mundo diz que posso ser morto pela cor da minha pele, pelo meu cabelo, por estar desempregado. Quem vem desse sofrimento sabe o que acontece no Brasil há 500 anos”, conclui o rapper.

Retrospectivo

O espetáculo que Criolo traz a BH também tem caráter retrospectivo. No repertório, músicas que ele próprio admite não cantar há tempos, casos de “Bogotá” (2011) e “Casa de Papelão” (2014). “Vai ter um pouco de cada álbum, mas com novos arranjos, apontando uma transição estética desse instante e, ao mesmo tempo, mostrando essa bagagem que foi construída”, afiança o rapper.

De olho no futuro, ele dá uma pista dos próximos passos. “Em breve teremos novidades. Acredito que o grande lance é a ideia, se ela for boa, você pode usar uma câmera de celular ou um jogo de sombras”, garante.

Agenda

O quê. Game Station, com Criolo, Cynthia Luz, DJ Naroca e outros

Quando. Neste sábado (15), a partir das 22h

Onde. Marô (rua Gabriela de Melo, 365, Olhos d’Água)

Quanto. R$ 120 (inteira) e R$ 60 (meia)