O poeta gaúcho Mário Quintana (1906-1994) já sabia. “Não deves acreditar nas respostas. As respostas são muitas, e a tua pergunta é única e insubstituível”, escreveu ele. A premissa é a mesma adotada por Cristiano Reis, diretor artístico da Companhia de Dança Palácio das Artes. “Em momento algum queremos dar uma resposta, mas provocar reflexões”, confirma.
Reis é curador da segunda edição dos Encontros com a Companhia de Dança, que acontece desta segunda (9) a 16 de dezembro. Neste ano, o tema escolhido atende pelo nome de “Olhares sobre o feminino na dança”. A estreia do espetáculo “Lalangue: Carta à Mãe”, em outubro de 2018, estimulou a atual empreitada. Reis pediu que a diretora Morena Nascimento criasse algo inspirado na palavra “manifesto”, e o resultado foi a obra que se imiscui em diversos manifestos femininos.
“Durante a criação do espetáculo, surgiram vários questionamentos a respeito desse universo burocrático, político e legislativo que foi todo construído, estruturalmente, pelos homens”, destaca Reis. “Quisemos mergulhar novamente nesse mundo e trazer novos olhares sobre o que é o feminino na dança”, completa.
A bailarina Lívia Espírito Santo, que participa da remontagem de “Lalangue”, define a experiência como “impactante”. “Partimos do lugar da mãe, como uma primeira referência de mulher e também sobre o feminino. Dali, se desencadeia a nossa relação comum com o entorno, o outro, os modos de existir e estar nesse planeta que a gente estabelece”, conta Lívia. Ela acrescenta que o espetáculo contém “conflito, angústia, sofrimento e alegria”, gama de sentimentos que se estende para a própria diversidade buscada pela programação.
Reis esclarece que, ao contrário da primeira edição, dessa vez haverá convidados, o que contribui para “atividades voltadas mais para a criação e menos para a parte técnica da dança”, diz. A ideia de priorizar a criação foi ao encontro da “metáfora materna de dar à luz”. “Ao criar, de alguma forma você dá vida a algo”, avalia Reis.
Atrações
A antropóloga e jornalista Júnia Bertolino ministra uma oficina sobre dança afro-brasileira e ainda participa de uma roda de conversa com o psicanalista Sanzio Canfora, Morena Nascimento e a professora, artista e performer Paola Rettore. A oficina “Do corpo cotidiano ao corpo poético” fica por conta de Reis, enquanto Ivan Sodré será responsável por ministrar “O entre como espaço de ação e de mudança de hábito”.
“Dentro do espectro feminino, muitas questões raciais, sexuais e de gênero têm vindo à tona e estão sintonizadas com a contemporaneidade. Precisamos voltar a discuti-las pelo fato de que situações que julgávamos superadas se revelaram não resolvidas e muito mais complexas”, afirma Reis, que aponta exemplos.
“Temos alunos na companhia que se identificam com o gênero feminino e colocam o desejo de não dançar mais em papéis masculinos. É preciso que haja manejo, entendimento e abertura das pessoas para que esse debate seja aprofundado por parte de todos, artistas, educadores, historiadores, antropólogos, psicanalistas e, inclusive, os políticos. É uma semente que está sendo germinada no nosso meio da dança”, conclui Reis.
Programe-se
De 9 a 16 de dezembro, no Palácio das Artes (av. Afonso Pena, 1.537, centro). Gratuito. Inscrições pelo site.
Nesta segunda (9), das 13h às 18h, aula com o professor Marcos Elias e workshop.