Música

Daniela Mercury canta sucessos na Virada com o show “Proibido o Carnaval”

Canções recentes e politizadas como “Rainha do Axé e “Pantera Negra Deusa também estão garantidas

Por Raphael Vidigal
Publicado em 20 de julho de 2019 | 03:00
 
 
“A luta do feminismo é fundamental, há muito a ser feito contra comportamentos inaceitáveis de violência e assédio”, diz Daniela Mercury Célia Santos/Divulgação

Em junho, nos 50 anos do levante de Stonewall, enquanto a polícia de Nova York se desculpava pela violenta repressão contra homossexuais que gerou a revolta, a cantora Daniela Mercury, 53, aproveitava a celebração do icônico movimento de libertação gay para protagonizar com a jornalista e mulher Malu Verçosa, o primeiro beijo entre duas mulheres no Congresso Nacional. “Nos beijamos porque somos um casal, não deveria ser nada demais. Quem se incomoda são os homofóbicos, as pessoas que estão nessa luta conosco admiram o amor, e pronto. O beijo é mais um manifesto de amor”, sustenta Daniela.

A baiana se apresenta na Virada Cultural de BH em meio a uma polêmica. Na sexta (19), o prefeito Alexandre Kalil decidiu cancelar a atração “Coroação a Nossa Senhora dos Travestis”, sob o argumento de que ninguém iria “agredir a religião”. Militante da causa LGBT, Daniela promete um show “politizado e festivo”. Tudo porque na terça-feira (23), é aniversário de sua mulher. No outro domingo (28), quem sopra as velinhas é a cantora. “Já começamos a comemorar no palco da Virada”, entrega Daniela.

A proximidade das datas de aniversário rendeu ao casal outra curiosidade em comum. Ambas são do signo de leão. Foi por conta disso que a canção de Marcelo Quintanilha em homenagem a elas acabou batizada de “Duas Leoas”. O videoclipe, colocado nas redes no Dia dos Namorados, aborda a intimidade em família do casal e foi dedicado à comunidade LGBT. “Essa música foi gravada no momento em que se buscava criminalizar a homofobia. Eu e Malu conseguimos quebrar muitos preconceitos na sociedade, pelo fato de sermos um casal com filhos e por eu já ser uma artista conhecida”, aponta Daniela.

Um dia depois de o videoclipe ir ao ar, o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou que a homofobia fosse enquadrada na mesma lei que pune o racismo, decisão que agradou à artista. “Nós só conseguimos lutar contra o trabalho infantil e a exploração sexual de crianças e adolescentes a partir da criminalização. Enquanto não se tipifica o ato, a penalização fica frouxa, e a impunidade complica a luta. A única minoria brasileira que ainda não tinha uma lei específica para protegê-la era a comunidade LGBT”, observa. 

Repertório. Além das canções mais recentes, Daniela vai cantar para o público músicas que marcaram sua carreira, iniciada em 1986, e que a transformaram no “Furacão da Bahia”, como passou a ser chamada depois de sucessos como “O Canto da Cidade”, “Swing da Cor”, “Nobre Vagabundo”, “Minas com Bahia” e “Rapunzel” estourarem nas rádios do país, todas garantidas no repertório. Ao final, os galopes de Carnaval deixam a atmosfera ainda mais agitada. “Sou especialista em músicas dançantes e rítmicas, que sempre trazem temas fortes”, diz Daniela.

Um exemplo é “Rainha do Axé”, que, segundo a intérprete, é uma “afirmação da mulher” e enfileira citações a Rita Lee, Simone de Beauvoir, Preta Gil, Gal Costa e Dercy Gonçalves. Já “Pantera Negra Deusa”, registrada em 2018, põe em debate outro tema caro para a artista. “Essa música retoma a afirmação da cultura negra afro-brasileira”, informa. 

A imagem que ilustrou o single mostra a compositora abraçada a uma criança negra. Feita em 1996 por Mario Cravo Neto para o disco “Feijão com Arroz”, a foto é emblemática ao refletir o tempo de militância da artista na causa. “Toda a minha obra está ligada à cumplicidade que tenho com o Brasil. Tudo o que incomoda o meu povo me incomoda e me faz sofrer. Mas sei que, ao mesmo tempo, sou uma mulher da alegria, cujo maior desafio é falar de temas profundos com alguma leveza”, destaca.

Esse misto de descontração e profundidade guiou a música que dá título ao espetáculo. “Proibido o Carnaval” causou alvoroço nas redes sociais em fevereiro, ao não poupar provocações para o conservadorismo de costumes. “Abra a porta desse armário/ Que não tem censura pra me segurar/ (...) Alegria cura, venha me beijar”, determina o refrão.

Para completar, o videoclipe traz a participação especial de Caetano Veloso. “Caetano é um homem comprometido com o cenário sociopolítico brasileiro. É um poeta extraordinário. Eu queria fazer uma música que tivesse humor, fosse reflexiva, política e dançante”, revela Daniela. A inspiração para “Proibido o Carnaval” veio dos frevos compostos por Caetano durante a ditadura militar que, em 1977, renderam o LP “Muitos Carnavais”. Dentre as 12 faixas, uma em especial deu o norte para Daniela: “Deus e o Diabo”. 

“Você tenha ou não tenha medo/ Nego, nega, o Carnaval chegou/ Mais cedo ou mais tarde acabo/ De cabo a rabo com essa transação de pavor”, cantarola a entrevistada, a fim de lembrar que a abertura da canção permanece atual. “As questões que estavam adormecidas há 30 anos voltaram com toda a força, e não vamos deixar elas regredirem”, garante. 

Diversidade. Durante a corrida presidencial do ano passado, Daniela Mercury não se fez de rogada e abriu o seu voto: “Eu quero um samba para presidente”, cantava ela em “Samba Presidente”. A música ganhou um videoclipe filmado nas ruas periféricas de Salvador e trouxe a Drag queen Petra Peron no papel da cantora. “Mexeu comigo/ Mexeu com todas Não mexa com elas/ Que Geni é das nossas”, dizia outro trecho. 

Hoje, Daniela não esconde a insatisfação com o governo eleito. “Eles acham que é possível não se importar com ninguém. Já que só pensam em dinheiro, deveriam entender que o respeito à diversidade é fundamental para o crescimento econômico”, critica ela, que vê mais pontos preocupantes: “A natureza está em risco”.

Serviço. Show de Daniela Mercury, de sábado (20) para domingo (21), à meia-noite, no Palco Estação (av. dos Andradas, 201, centro). Gratuito.

Outros baianos. Moraes Moreira se apresenta neste sábado (20) às 23h20, no Palco Parque (av. Afonso Pena, 1.377, centro). Xenia França é atração do Palco Guaicurus (rua Guaicurus, 661, centro), neste domingo (21), às 2h. O grupo Àttooxxá sobe ao Palco Estação, neste domingo (21), às 17h.

Assista ao clipe mais recente de Daniela Mercury: