Dona Onete se apresenta em BH com receitas do Pará e repertório de 'Rebujo'

O fenômeno do estrangeirismo é tão abrangente que conseguiu se intrometer até numa apresentação de Dona Onete, 80. Nascida em Cachoeira do Arari, município com 20 mil habitantes no interior do Pará, a professora de história, que foi secretária de Estado de Cultura e atualmente ganha a vida com a música, é conhecida justamente por prezar a cultura local e fazer do regionalismo uma de suas principais bandeiras.

Não por acaso, Dona Onete ganhou o título de “diva do carimbó chamegado”, estilo que coloca ainda mais malícia no tempero do gênero dançante. Por falar em tempero, nesta quarta (3) ela convida os belo-horizontinos a degustar um “cooking show”, ou, em bom português, vai “cozinhar e papear com o povo”. “Antes de ser cantora, eu já cozinhava, levei a comida do Pará a vários festivais”, afirma. 

No cardápio, está prevista uma peixada ao molho caboclo, especialidade da entrevistada, e, de sobremesa, o pudim parauara. Mas Dona Onete, com a habitual espontaneidade, não se faz de rogada ao colocar a ideia do banquete na conta dos produtores. “Inventaram isso, e eu estou danada da vida, porque é mais trabalho que me dão”, diverte-se, emendando a frase com uma sonora gargalhada. 

Em seguida, o orgulho fala mais alto, tanto das raízes quanto do público, que, segundo ela, foi o primeiro que a acolheu fora dos limites de sua terra. “As duas maiores cozinhas brasileiras são a paraense e a mineira. A diferença é que vocês caem mais para o doce, e o nosso carro-chefe é o peixe”, compara.

A artista fala com propriedade. Ela teve a oportunidade de comprovar a tese graças a um casamento culinário que só foi possível porque, fora da cozinha, os anfitriões eram um casal formado por um mineiro e uma paraense.

Convidada pelo presidente de uma companhia telefônica para um aniversário, a cantora garante que teve uma das melhores experiências gastronômicas de sua vida. “Ninguém queria sair da mesa, porque vinha torresmo, frango com quiabo, açaí, peixe no tucupi, creme de pupunha, cachaça de jambu, queijo com goiabada”, relembra.

Álbum

Dona Onete não está em BH de passagem. Ela chegou com um dia de antecedência para conseguir comprar todos os ingredientes de suas receitas. Nesta quinta (4), a compositora tem outro compromisso, quando apresenta na cidade o repertório de “Rebujo”, seu mais recente álbum. 

Como não poderia deixar de ser, a culinária se faz presente no trabalho. Um dos exemplos é a faixa “Balanço do Açaí”. Segundo Dona Onete, a canção é inspirada num acontecimento real. Conta ela que, no interior do Pará, quando se está tirando os frutos do açaí da palmeira, é muito comum “os cabras ficarem atentos aos mais adocicados, pois aparecem neles as tucandeiras”, informa, em referência à temida formiga que é dona da “mais dolorida picada”. “Se a pessoa for mordida, é capaz até de se jogar de cima da ribanceira”, assegura. 

Outra canção inspirada num caso verídico é “Musa da Babilônia”. Curiosamente, desta vez o ambiente não foi o Pará, algo raro na obra de Dona Onete. “Fui me apresentar no Rio e estava na porta de um hotel quando vi essa moça com tudo no lugar, do jeito que o diabo gosta; era uma negra tão linda que mostrei até para o meu marido”, admite. 

“Lá no Pará, eles me chamam de ‘poetisa’, pois, se o poetinha Vinicius de Moraes compôs para uma garota de Ipanema, eu também posso compor para a musa da Babilônia”, conclui.

Agenda

“A Cozinha Maravilhosa de Dona Onete”, nesta quarta (3), às 20h, no Mercado Distrital do Cruzeiro (rua Opala, S/N).

Ingresso: R$ 90 o individual e R$ 160, o casal (com comida incluída). 

Show “Rebujo”, de Dona Onete, nesta quinta (4), às 21h, no Sesc Palladium (av. Augusto de Lima, 420, centro). De R$ 25 (meia) a R$ 60 (inteira).

Assista a videoclipe do novo álbum de Dona Onete: