Produção

Heróis da resistência sonora

Fundada no final dos anos 1990, produtora musical YB segue firme no mercado e lançou discos destaques em 2016

Por Thiago Pereira
Publicado em 05 de janeiro de 2017 | 03:00
 
 
Sabotage. Rapper possuía ligação arterial com a produtora Tamar Miranda / AE

Nos corredores da música independente – entenda por “corredores” grupos de mensagens de celular, listas de e-mail, fóruns de discussão – circulou em 2016 um belo esforço: uma lista de todos os selos independentes do país. Tarefa hercúlea e que deixa a sensação de estar sempre incompleta, já que desde os anos 2000 o país vive uma febre de “faça você mesmo” na cadeia produtiva da música, traduzida em incontáveis iniciativas por novos selos e gravadoras.

O documento aponta 158 selos (listados, por gênero, cidade etc) em ação atualmente. Curiosamente, não consta no rol a gravadora paulista YB, que desde 1999 vem lançando música nova (e excelente) no país e que fechou 2016 chancelando alguns dos campeões de citações entre os melhores do ano passado, como Sabotage (que não saiu pela YB, mas teve boa parte de seu material registrado em seus estúdios), Yara Rennó, César Lacerda e Rômulo Fróes, Saulo Duarte e a Unidade e Juliana Perdigão.

A resposta para essa ausência pode estar na declaração de Maurício Tagliari, fundador da YB. “Há algum tempo adotamos a postura de não ser um selo ou gravadora convencionais”, explica. “Somos uma produtora de conteúdo, de distribuição digital e licenciamentos em geral, para cinema, publicidade”, afirma.

Mas até ocupar este outro lugar, a YB seguramente ajudou a pavimentar o caminho para o que chamamos de nova música brasileira atuando como uma gravadora independente. “Iniciamos desta forma, quase que por diletantismo”, se diverte Tagliari. “Produzia o que eu gostava, sem uma sistematização mais exata. No começo, a ideia central era produzir o disco e o licenciar para uma gravadora. Era um período em que estavam surgindo muitos canais de distribuição mais independentes, um contexto muito motivador”.

Enquanto algumas iniciativas semelhantes ficaram pelo caminho, a YB segue firme, atravessando crises como a do mercado de CDs na base da reinvenção. “De dez anos para cá, paramos de distribuir CDs e construímos nossa relação com os artistas mais pautados pelo conteúdo (gravação e produção) e com foco nas plataformas digitais. Passamos por aquela crise do mercado, do download ilegal e da pirataria. Hoje estamos conseguindo algum lucro com streaming, por exemplo. E os próprios artistas estão tendo outra visão, no sentido de que a gravadora não vai resolver a vida deles, mas pode ser fornecedora de serviço, parceira”, explica.

Marca. Portanto, a YB funciona de uma forma que Tagliari caracteriza como mais “fluida”. “Fico pensando nos lançamentos de 2016. O disco da Laya (cantora cearense) partiu do zero, foi todo montado aqui, todas as etapas. Já com a Yara Rennó, sentamos aqui, trocamos uma ideia e resolvemos fazer dois discos. Rômulo e César chegaram com o disco já montado, apenas gravaram aqui. Outros artistas aparecem com o material já acabado, mas querem lançar com a gente por uma afinidade com nosso casting, com a forma de trabalho da YB”, enumera.

Este é outro ponto fundamental para se entender o trabalho da produtora: uma espécie de estética (não engessada) que atravessa vários dos lançamentos. “Eu creio que o elo de ligação de nosso catálogo é meu gosto pessoal” diz Tagliari. “Olhando nosso casting, desde o início, percebo um olhar mais de experimentação, que se traduzia em discos como os de Rica Amabis, Nação Zumbi e Walter Franco. Um possível viés mais eletrônico, talvez, uma tentativa de puxar a música um pouco mais para frente. Depois assumimos um período em que ficamos mais ecléticos, mas sempre guiados pela onda de curtir coisas diferentes”, afirma.

O resultado disso fica explícito no jovem arquivo da YB: alguns dos melhores discos de música brasileira produzida no país nos últimos anos, como “Efêmera”, estreia de Tulipa Ruiz; “Sem Nostalgia” de Lucas Santanna; “Japan Pop Show” de Curumin; “Quem Tem Cor Age”, do Z’África Brasil; e “Coleção”, do Instituto.

E o olhar certeiro segue para o futuro. No planejamento para 2017, Tagliari já conta com aproximadamente 18 álbuns, vários já gravados, a serem chancelados pela YB. Entre os destaques apontados por ele, estão Quarta B, grupo instrumental que lançará disco com repertório “cantado” de Moacir Santos (“Incrível, quatro meninas e um cara, e que tem como cantores participando de Arrigo Barnabé à MC Sofia”), Rodrigo Campos (já intitulado de “Samba do Absurdo”) e Guizado.


Discos-chave

Maurício Tagliari indica alguns trabalhos essenciais para entender a YB

Nação Zumbi: “Rádio S.Amb.A” (2000)
Baião de Viramundo: “Tributo à Luiz Gonzaga” (2000)
Trio Mocotó: “Samba Rock” (2001)
Curumin: “Achados e Perdidos” (2005)
Tulipa Ruiz: “Efêmera” (2009)
Passo Torto: “Passo Torto” (2010)