Cinema

Homenagem a Glauber Rocha

Mostra “Kynoperzpektyva 18 exibe 17 longas e curtas do cineasta e traz palestras com estudiosos de sua obra

Por Etienne Jacintho
Publicado em 07 de dezembro de 2018 | 03:00
 
 
Diversidade: ‘Terra em Transe’, ‘A Idade da Terra’, ‘Claro’ e ‘Deus e o Diabo na Terra do Sol’ Fundação Clóvis Salgado/divulgação

Glauber Rocha (1939-1981), considerado um dos maiores cineastas brasileiros, sempre teve uma alma criativa inquieta. Por meio da experimentação visual e da linguagem cinematográfica, o baiano construiu uma filmografia coesa, em que mostra com ousadia estética e ambição temática os mais diversos aspectos da realidade brasileira nos âmbitos social, político e religioso.

Para celebrar a obra desse cineasta genial, o Cine Humberto Mauro apresenta, a partir deste sábado (8), a mostra “Glauber Rocha: Kynoperzpektyva 18”, em que exibe 17 longas e curtas-metragens de Glauber, além de filmes de cineastas estrangeiros que dialogam com a obra dele. Há sessões diárias comentadas.

“Glauber é considerado o cineasta mais importante do Brasil, apesar de sua filmografia curta, pois atuou somente durante duas décadas”, fala Matheus Araújo Silva, doutor pela Escola de Comunicações e Artes (ECA-USP) e pesquisador da obra de Glauber. “Existem cineastas mais longevos, como Nelson Pereira dos Santos (1928-2018), mas, de maneira geral, Glauber é o mais original, autor de uma obra singular”, completa.

A mostra segue os caminhos de uma retrospectiva proposta pelo próprio Glauber, em 1981, e realizada em uma cinemateca portuguesa, a “Kynoperzpektyva 81”. Na ocasião, o cineasta sugeriu reunir sua obra em quatro módulos: “Afrika”, “Brazil Arkayko”, “Amerika Yberyka” e “Brazil Unyverzal”. Os títulos são uma forma de protesto à influência da estética do cinema norte-americano no Brasil, e os módulos organizam sua filmografia por afinidades temáticas. “É um exercício de comparação interna da obra de Glauber”, diz Silva, que assina a curadoria da mostra juntamente com a gerência do Cine Humberto Mauro.

Palestras. O pesquisador explica que essa retrospectiva tem o diferencial da comparação, não só entre as obras de Glauber, mas também entre os filmes dele e de cineastas como Jean-Luc Godard, Sergei Eisenstein e Luis Buñuel, entre outros. É Silva quem faz essa análise comparativa em palestras que integram a mostra.

“É um curso com sete palestras ilustradas com trechos de filmes e fotos, precedidas pela exibição dos filmes que têm a ver com os confrontos que vou propor”, explica o pesquisador, que está preparando um livro sobre esse tema. “Minha intenção é ajudar o público a perceber essa relação do Glauber com esses cineastas, conjugando a exibição de filmes e os debates comparativos”, diz. Silva também quer salientar a forma como Glauber absorveu o que buscou dentro das obras desses outros cineastas e transformou esses elementos de forma original para incorporá-los a seus filmes.

Pesquisador destaca duas obras essenciais do diretor

Glauber Rocha tem dois filmes que são considerados obras-primas: “Deus e o Diabo na Terra do Sol”, de 1964, e “Terra em Transe”, de 1967. “‘Deus e o Diabo’ é um filme ambicioso, que Glauber fez quando tinha apenas 23 anos, em que tenta recapitular as rebeliões populares do Brasil a partir da religião, com Canudos, e da violência, com o cangaço”, explica. “E ele transporta essas duas matrizes de rebeliões populares para o pensamento do fim do governo Jango (1961-1964). É uma obra-prima sem paralelo no cinema mundial”.

Já ‘Terra em Transe’ é uma reação à ditadura militar, iniciada em 1964. “O filme traz uma metáfora religiosa com raiz africana. A obra deixou todo o mundo boquiaberto”.

A religião como poder popular

Embora a obra de Glauber Rocha não seja extensa – ele morreu em 1981, aos 41 anos) –, a variedade de questões abordadas por ele é ampla e passa por violência urbana e social, exílio, cultura popular e religião. “O cinema dele é muito religioso”, afirma Silva. “Ele tem um jeito singular de ligar religião à política. Hoje, essa ligação tem aspectos arcaicos e representa um retrocesso. Já na obra de Glauber, a religião é progressista no sentido de empoderar o povo, de valorizar a experiência do excluído. É claramente o oposto do que se vê hoje. Neste prisma, o cinema dele é bem inatual”, diz.

Agenda

O quê. “Glauber Rocha – Kynoperzpektyva 18”

Onde. Cine Humberto Mauro – Palácio das Artes (av. Afonso Pena, 1.537, centro, 3236-7400)

Quando. Desta sexta-feira (7) a 23 de dezembro

Quanto. Gratuito (retirar ingressos uma hora antes das sessões)

Informações. No site www.fcs.mg.gov.br está a programação completa das exibições e sessões comentadas da mostra