Já faz 27 anos que João Camarero se encantou com o som de um violão pela primeira vez. Na época, ele era uma criança quando acordou, de madrugada, para ver o que acontecia na casa de praia onde passava férias com a família e os amigos e se deparou com alguém tocando o instrumento que mudaria a sua vida.

“Lembro-me de ficar encantado”, conta ele, que hoje tem 29 anos e admite não guardar detalhes precisos do acontecimento. “Minha mãe é quem tem mais memórias desse dia”, afirma. O primeiro ídolo de Camarero foi o violonista Dino 7 Cordas, que, ao lado de Jacob do Bandolim, integrou o lendário conjunto Época de Ouro.

Com o tempo, Camarero seguiu outros caminhos. Ao contrário de Dino, que se manteve como músico acompanhante, tornou-se solista e começou “a puxar um fio que não acaba nunca”, agregando à sua formação referências da música erudita, como os impressionistas Maurice Ravel e Claude Debussy, sem se esquecer do brasileiro Heitor Villa-Lobos. “É uma amálgama de influências”, avalia.

Foi justamente a “busca por ficar no limiar entre erudito e popular” que resultou no álbum “Vento Brando”, base do espetáculo que o instrumentista apresenta neste sábado (6) em BH. Além da beleza poética, o título do disco contém uma sutil cutucada. “Acho que virtuose é quem tem muitas virtudes, e a velocidade é apenas uma delas. Procuro colocar a música na frente do meu violão. Não é preciso quebradeira para alcançar a excelência”, opina. 

Roteiro. As duas peças de Radamés Gnatalli que abrem o repertório, “Tocata em Ritmo de Samba” e “Choro da Brasiliana No. 13”, representam a intenção de Camarero, como “músicas de concerto que não perdem o sabor da canção popular”. 

“Minha ideia foi mostrar uma visão ampla do violão brasileiro, com uma estética clássica, refinada, priorizando o acabamento e uma interpretação madura”, explica. “O nosso violão popular tem tamanho e espaço suficientes para comportar outras linguagens”, complementa o músico. 

Outro nome recorrente no lançamento é o de Garoto, que, assim como Radamés, comparece em duas faixas: “Inspiração” e “Enigma”. “Garoto foi o grande modernizador da música brasileira, especialmente do violão. Não tem como pensar na bossa nova sem citá-lo, tudo o que veio antes e depois tem alguma ligação com ele”, enaltece. 

Os elos não param por aí. Raphael Rabello, que gravou com Radamés o “Tributo a Garoto”, em 1982, é contemplado com “Camará”, parceria com Paulo César Pinheiro. “Esse tributo em disco foi fundamental, porque trouxe à tona a obra do Garoto quando ela estava no ostracismo”, defende. 

O choro tradicional tampouco fica de fora. Em “Quadradinho”, de Canhoto da Paraíba, o cavaquinho ganha destaque. “Foi algo para dizer de onde eu venho, não podia deixar passar”, informa o entrevistado. 

Origens. Camarero vem de Ribeirão Preto, no interior de São Paulo, e foi criado em Avaré, no mesmo Estado. A carreira, no entanto, se consolidou no Rio de Janeiro, para onde se mudou em 2011. Um ano antes, ele estreou no mercado fonográfico com o grupo Tuco & Batalhão de Sambistas, que lançou o CD homônimo. 

O voo solo foi iniciado em 2016, com o álbum que trazia apenas o nome do intérprete na capa. Era uma apresentação daquele que já é considerado por muitos críticos como a maior revelação do violão brasileiro nos últimos tempos. 

Em “Vento Brando”, Camarero ampliou o leque. Foi a partir da canção que dá nome ao álbum, feita com Cristóvão Bastos, que o anfitrião passou a se considerar compositor. “Tive uma espécie de libertação, comecei a aceitar mais esse lado”, confirma ele, que, no disco, ainda assina “Paulistano” (com Rafael Mallmith) e “O Maestro na Farra”, que ele fez para o pianista Leandro Braga, depois de ganhar de presente a música “Camarada Camarero”. 

Serviço. Show “Vento Brando”, de João Camarero, neste sábado (6), às 20h, no Teatro de Bolso do Sesc Palladium (av. Augusto de Lima, 420, centro). R$ 40 (inteira)

Ouça a faixa-título do novo álbum de João Camarero: