Música

Luiz Ayrão lança disco de inéditas com Zeca Pagodinho, Alcione e Péricles

Cantor carioca estava sem gravar há dez anos antes de “Um Samba de Respeito”

Seg, 03/06/19 - 03h00
Luiz Ayrão ficou hospedado na Toca da Raposa em 1981, quando compôs a música “Meu Canarinho”, hino da Copa de 1982 | Foto: Luís França/Divulgação

De certo modo, a vitória de Jair Bolsonaro nas urnas influenciou Luiz Ayrão, 77, a encerrar uma longa hibernação. O músico carioca não lançava um disco de inéditas há mais de uma década, quando colocou na praça “A Vida É Uma Festa”, em 2008, e não estava muito disposto a voltar ao ramo, até ele ter uma conversa com a filha. “Ela falou comigo que agora existem as redes sociais, e que o presidente só foi eleito por causa delas”, conta Ayrão. 

Convencido de que mesmo sem o apoio das rádios e dos programas de televisão da época em que foi alçado à fama graças a músicas como “Porta Aberta” (1973) e “Nossa Canção” – gravada pelo rei Roberto Carlos em 1966 –, ainda assim ele poderia “ser ouvido pelo povo”, o cantor se pôs ao trabalho. 

Inicialmente, a ideia era registrar um EP com quatro faixas, mas o projeto literalmente fugiu das mãos de Ayrão e cresceu em forma, quantidade e conteúdo. Ao longo das sete canções de “Um Samba de Respeito”, desfilam participações especiais.

Além do mesmo primeiro nome, Zeca Pagodinho e Zeca Baleiro dividem com o anfitrião os vocais em “Tentação de Malandro”. A música é uma volta ao passado, em vários sentidos. Ayrão a conheceu quando criança. Filho único, ele era “o único espectador, fã e ouvinte” do pai que, embora tenha seguido a carreira militar, dentro de casa “vivia cantando valsas para minha mãe e sambas de breque para mim, que morria de rir”, recorda.

O entrevistado chegou a pensar em gravar a música no auge do sucesso, na década de 70, mas, segundo ele, àquela altura, “o momento do samba de breque ao estilo Moreira da Silva já tinha passado”.

Ayrão fez umas mexidas na letra do samba do pai, deu uma atualizada e ficou satisfeito. “O palavreado do samba de hoje é engraçado, houve esse resgate”, comenta. Aos 13 anos, o compositor teve que lidar com a morte do patriarca da família, que teimava em repetir uma tradição. Todos eram ligados à música, porém, ninguém tinha conseguido exercê-la profissionalmente. 

“Minha avó cantava e tocava violão. Meu avô chegou a ser maestro da banda militar. Na década de 30, os jovens pobres não tinham para onde correr, entrar no Exército ou na Polícia Militar era uma espécie de tábua de salvação”, diz. Com humor, “Tentação de Malandro” retrata a disputa pelo coração de uma mulher, mas que termina na delegacia. “Mas imaginem que situação/ Se ele me mata, eu vou pro cemitério/ Se eu mato ele, eu vou pra detenção”, afirmam os versos. 

Parcerias. Depois de gravar a música, Baleiro foi direto: “Esse samba é do cacete!”, elogiou. Convidado a marcar presença na desaforada “No Cravo e na Ferradura”, Xande de Pilares não titubeou. “Você deveria era ter me intimado, cresci ouvindo você”, disse a Ayrão. O caldo musical foi engrossando e contou com Alcione e Diogo Nogueira na faixa-título “Um Samba de Respeito”; com Péricles na impagável “Oxitocina”, que fala sobre o hormônio do amor; Toninho Geraes na romântica “Pétalas de Rosas”; e com o grupo Demônios da Garoa em “Fina Ironia”, que faz trocadilhos infames sobre nudez e computador.

“As pessoas foram se achegando com muito carinho e alegria”, orgulha-se o cantor. A única não assinada por Ayrão é “Pobre Passarinho”, que também remonta a tempos idos. Composta pelos bambas Ratinho e Monarco, que participa da faixa, a música foi feita para Ayrão há dez anos. “Quando recebi essa canção, o cenário artístico estava muito conturbado. Se você não fosse um artista jovem, com um show cheio de pirotecnias, não conseguia aparecer”, justifica. 

 

“Dei uma canja no ‘Samba do Trabalhador’, organizado pelo Moacyr Luz aqui no Rio, e a plateia ia de 18 a 88 anos, estava completamente lotado. O samba está muito vivo.” LUIZ AYRÃO

 

Trajetória. Nascido e criado no bairro Lins de Vasconcelos, na zona Norte do Rio, Luiz Ayrão se habituou, desde cedo, à paisagem “cercada de morros e muita música”, descreve. “Eu dormia ouvindo as escolas de samba ensaiando, o vento trazia o som delas até minha casa”. 

No dia seguinte, a rotina implacável o fazia se levantar cedo para trabalhar. Formado em advocacia, Ayrão conta que ficou em uma situação difícil com a morte do pai. “A herança que ele me deixou foi a música, resolvi tudo na minha vida com ela”, garante. 

Um dia, depois de enviar três músicas para a gravadora EMI, na esperança de que fossem lançadas por Clara Nunes ou Wilson Simonal, o compositor foi chamado até o estúdio. “Cheguei lá com a minha pastinha de advogado, achando que atuaria como produtor, mas aí me disseram: ‘nosso produto é você’. Foi um susto”, admite. 

Enquanto se preparava para cantar, Ayrão achou “o arranjo muito maluco”, mas não teve chances de recusar a oferta. “Não enche o saco que tem uma fila de 200 lá fora querendo estar no seu lugar agora. Você tem 20 minutos para colocar a voz”, foi a resposta que recebeu. Bastou um mês para que o compacto com “Porta Aberta”, composta por ele em homenagem à Portela, estivesse em primeiro lugar nas rádios de todo o país.

“Tudo que aconteceu na minha vida foi uma bênção”, sublinha. Antes, em 1966, Ayrão havia emplacado outro sucesso, mas que ainda não era associado à sua figura. Foi o vizinho de bairro, um tal de Roberto Carlos, o responsável por propagar a romântica “Nossa Canção”. 

“Sempre fui romântico, sou fã de Chopin, que eu tocava no piano até machucar a mão. Quando era garoto, eu ouvia ‘Ave Maria’ (de Franz Schubert) e chorava. ‘El Día Que Me Quieras’ (tango de Carlos Galhardo), me deixava arrepiado”, confessa.

Disco. ‘Um Samba de Respeito’ é o 20º disco da carreira de Luiz Ayrão, iniciada em 1968. Com sete faixas, tem participações de Alcione, Zeca Pagodinho, Péricles, Monarco, Xande de Pilares, Diogo Nogueira, Zeca Baleiro, Toninho Geraes e Demônios da Garoa. 

Ouça faixa do novo disco de Luiz Ayrão: 

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