Volta e meia, o nome retorna à boca de Mariana Nunes, 36, porque, certamente, permanece em seu coração. Quando morreu, aos 49 anos, em 2018, vítima de febre amarela, o músico Flávio Henrique havia sido convidado para produzir o disco de Mariana que acaba de ser lançado e cujo show de estreia acontece nesta quinta (12), em Belo Horizonte. “Cantante” é dedicado ao amigo e fundador do Cobra Coral, conjunto integrado pela cantora desde 2011.
Composta por Flávio Henrique ao lado de Toninho Horta e Murilo Antunes, “Quadros Modernos” foi a única canção gravada em BH e encerra o álbum. “Quando o Flávio morreu, fiquei um tempo em busca de um novo caminho, até que, de repente, ‘senti’ esta frase, da música ‘Quadros Modernos’, que diz: ‘Sem você aqui só resta sonhar’. Entendi que era o momento de ir em busca de um sonho”, declara Mariana.
A mineira resolveu gravar o trabalho no Rio, “como forma de espairecer a ausência do Flávio”, conta. Na capital carioca, ela tinha um encontro marcado com Jaques Morelenbaum, que assumiu a missão de conduzir o sucessor de “A Luz É Como a Água”, primeiro CD solo da intérprete, realizado há 12 anos. O primeiro contato pessoal entre os dois aconteceu naquela época. O consagrado maestro e arranjador tinha participado, como violoncelista, da faixa-título, parceria de Flávio Henrique e Makely Ka, que, segundo Mariana, “se destaca no álbum”.
“Desde os 12 anos, quando conheci o álbum ‘Fina Estampa’, do Caetano (Veloso), admiro o Jaques. Me apaixonei pela beleza daqueles arranjos e por tudo que ele faz”, elogia a entrevistada. A turma ficou completa com a presença de um time de peso, formado por Cristóvão Bastos (piano), Lula Galvão (violão), Jorge Hélder (baixo acústico), Rafael Barata (bateria), além de Morelenbaum no violoncelo. Todos estarão no palco nesta quinta (12). Nivaldo Ornelas (sax soprano) e Marcelo Costa (percussão) registraram participações pra lá de especiais.
As nove faixas foram gravadas ao vivo. “Tudo fluiu de maneira natural. Os intervalos eram uma delícia, com muito cafezinho e pão de queijo. O Jaques disse numa entrevista que enxerga a música do mesmo ângulo que eu, e acho que isso é uma verdade, não só para nós. Percebo que todos os envolvidos no disco estão na sua praia. A sonoridade favorece a minha voz, tem uma atmosfera de mistério”, pontua.
Repertório. Em espanhol, a palavra “cantante” significa “cantora”. No idioma português, quer dizer “pessoa que canta o tempo todo”. Mariana se identifica com ambos os sentidos. Desde criança ela expressa a sua vontade de cantar. Feita especialmente para ela, por Cristóvão Bastos e Roberto Didio, a inédita música que batiza seu novo disco diz: “Eu sou aquela que traz/ Outro som na voz/ Feito um astro a mais/ Sobre todos nós/ Eu sou aquela que faz/ Um casal dançar/ Pelo boulevard/ Sem ninguém notar/ Minha voz apanha sonhos no breu/ E depois devolve pra quem sofreu”.
“Essa sou eu. Do nome do disco à capa, passando pela seleção das músicas, me sinto representada por esse trabalho”, orgulha-se a artista. Curiosamente, a palavra “mulher” só aparece em uma canção do repertório, o que pesou na escolha de “Medo de Amar”, de Vinicius de Moraes, mas esteve longe de ser o único motivo. A composição foi a última a entrar no roteiro, ou, como diz Mariana, “a rapa do tacho”.
O fato de Morelenbaum ser “uma autoridade em Tom Jobim”, por ter trabalhado dez anos com o autor de “Lígia”, levou Mariana a sugerir três clássicos de sua obra. A eleita foi “Medo de Amar”, com letra e música de Vinicius. “No entanto, a harmonia é do Tom”, revela a entrevistada, com informação confirmada por Morelenbaum.
Os incisivos versos “porém, não se surpreenda/ se uma outra mulher/ nascer de mim/ como do deserto uma flor” ganharam versões marcantes de Nana Caymmi, Ney Matogrosso e do próprio Tom. “Gosto muito dessa letra, apesar de a gente ver que tem ali uma coisa antiga, de ciúme. Estamos num momento muito feminista, com as mulheres ocupando cada vez mais seus espaços. Embora essa não seja uma música feminista, ela fala de uma mulher que reage”, avalia a intérprete.
“Ponto de Vista”, de João Cavalcanti e Edu Krieger, é outra que dialoga com a contemporaneidade. O descontraído samba coloca na roda uma série de observações espirituosas: “Do ponto de vista da Terra, quem gira é o Sol/ Do ponto de vista da mãe, todo filho é bonito/ Do ponto de vista do ponto, o círculo é infinito/ Do ponto de vista do cego, sirene é farol”. Mariana estava na plateia de um show do grupo Casuarina em BH quando conheceu a música e se entusiasmou com “a reação imediatamente receptiva do público”, recorda-se.
“Estamos num período tão dividido. Acho essa faixa bonita porque ela joga uma luz nesse conflito, na medida em que propõe uma saída por meio do respeito e da tolerância”, opina. Em suas buscas, ela ainda se deparou com uma canção que não conhecia de Caetano, a quem homenageou em um espetáculo do Cobra Coral, em 2017. “Quero Ir a Cuba” foi lançada pelo irmão de Maria Bethânia, em 1983, no disco “Uns”, e faz uma saudação ao país caribenho. “Sou encantada pela ilha, a cultura, a música. Me apresentei lá em 2008. Foi também uma forma de fazer um tributo”, indica.
Convidados. Há tempos, a cantora alimentava o desejo de regravar “Dueto”, de Chico Buarque. A música recebeu uma versão recente do autor com sua neta, Clara. Mariana relembra as gravações de Chico com Nara Leão, Zizi Possi e Paula Toller.
Desta vez, ela a interpreta com Cavalcanti. “Pela primeira vez, temos um homem que não é o Chico cantando essa música”, declara. Mariana se confessa supersticiosa. “Sempre que estava sofrendo de amor, ia a cartomantes”, admite. “Essa letra tira um pouco a influência dos poderes externos e coloca o nosso destino na nossa mão”, complementa.
Em “Doce Ilusão”, ela é acompanhada por Ed Motta. Juarez Moreira marca presença em “Quadros Modernos”. “Tão Fundo É o Mar” e “O Que Foi Feito Devera” completam o repertório. Em breve, a cantora promete novidades nas redes sociais, como a publicação de videoclipes, mas prefere manter o suspense. “Não vou revelar mais para não estragar a surpresa”, disfarça.
Disco. “Cantante”, o segundo disco solo de Mariana Nunes, é produzido por Jaques Morelenbaum e traz nove canções, como a inédita faixa-título, de Cristóvão Bastos e Roberto Didio, além de “Dueto”, de Chico Buarque, “Quero Ir a Cuba”, de Caetano Veloso, e “O Que Foi Feito Devera”, de Milton Nascimento, Fernando Brant e Márcio Borges
Serviço. Show de Mariana Nunes, nesta quinta (12), às 21h, no Minas Tênis Clube (rua da Bahia, 2.244, Lourdes). R$10 (inteira)