Entrevista

Mestre das fusões sonoras 

Eduardo BiD Produtor, músico e compositor

Por lucas buzatti
Publicado em 10 de janeiro de 2016 | 04:00
 
 
Fernando Laszlo

Só o fato de ter assinado a produção musical de “Afrociberdelia” (1996) faz de Eduardo Bidlovski, o BiD, figura crucial para a música brasileira pós-anos 80. Mas a carreira do músico, compositor e produtor paulistano vai além do célebre álbum de Chico Science & Nação Zumbi. O Magazine falou com BiD, 49, sobre sua trajetória na música brasileira e nas trilhas sonoras para cinema.

Como foi o começo de sua carreira na música?

Meu primeiro trabalho profissional foi com o Tokyo (banda de rock liderada por Supla). Eu tinha 18 anos, na época, quando lançamos o disco “Humanos” (1985), que estourou com “Garota de Berlim”. Foi uma experiência importante, de viver uma banda que deu certo. Fizemos turnês, tocamos em vários clubes e danceterias do país. Fiquei no Tokyo de 84 a 87, e depois fui morar em Los Angeles, onde trabalhei na Capitol Records por três anos.

E como veio o contato com Chico Science?

Quando voltei, fui trabalhar na gravadora A Voz do Brasil, a convite do Tico Terpins (ex-Joelho de Porco). Eu também já colecionava vinis e fazia festas como DJ. Numa festa, o Rodrigo Leão, da banda Professor Antena, me chamou para gravar a demo deles. Acabei entrando na banda, na guitarra e nos scratches. Em 1995, fomos fazer um show no Sesc Bauru, com Raimundos e Chico Science & Nação Zumbi. Na volta, no ônibus, fui sentado ao lado do Chico e viemos conversando. Vimos que tínhamos gostos em comum, que pensávamos parecido. Depois, ele foi a São Paulo e gravamos “Macô” e a versão de “Roda, Rodete, Rodeano”, do Caju e Castanha, que entrou no meu disco “Bambas e Biritas Vol. I” (de 2005).

Daí para a produção do álbum, como foi?

A gravação do disco rolou na mesma época. A Sony se ofereceu para correr atrás de qualquer gringo que o Chico quisesse, e ele disse que queria fazer comigo. Eles pediram para eu mandar algo que já tinha feito, só que eu nunca tinha produzido nada! Como não tinha o que mandar, falaram para eu ir a Recife fazer uma demo. Fui, levei o estúdio todo e lá já apareceram “Peixinhos” e uma nova versão de “Macô”. O Chico já tinha a ideia de colocar beats de bateria eletrônica com tambores tocando em cima, como é o caso de “Corpo de Lama” e “Cidadão do Mundo”. E eu nas minhas primeiras mexidas de computador, aprendendo a trabalhar com programas de música. Tudo muito novo. Tive que virar ninja! Mandamos a demo, a Sony curtiu e fechamos o contrato.

Aí começou a gravação do disco, um dos mais importantes dos anos 90.

Foi. A Sony queria um engenheiro de som gringo, e trouxemos o G-Spot, que era da Battery, que gravava A Tribe Called Quest, Erykah Badu e muita gente do hip hop. Achamos que chegaria um negão do rap e o cara era um gordão heavy metal, cabeludo, todo tatuado, o que foi massa, porque era bem a pegada da Nação. Ele tinha conhecimento de hip hop, mas gostava de música pesada, que tinha tudo a ver com a guitarra do Lúcio Maia, por exemplo. Gravamos o disco no estúdio Nas Nuvens, do Liminha, no Rio. Isso gerou um clima pesado, porque o Liminha tinha produzido o primeiro disco deles. Como a gravadora já tinha horas compradas com ele, o disco tinha que ser gravado lá, só que não o chamaram para produzir. Fora que acabou a luz várias vezes, era época de chuva. Lembro também que alugaram para eles uma casa em Santa Tereza que não tinha nem geladeira. Eram só os colchões no chão. Os caras pegavam gelo do estúdio e colocavam em copos de plástico para levar pra casa. Lembro também que eles tomavam muita “geral” da polícia indo para o estúdio, quase todos os dias. Essa vibe carregada, pesada, ajudou o disco a chegar onde chegou.

E, depois, que outros álbuns marcaram sua carreira?

O “Afrociberdelia” me abriu muitas portas com bandas. Não com as gravadoras, porque eu não era um produtor de hits. Mas as bandas me convidavam ou me indicavam por uma admiração artística, o que era bem legal. Produzi o “Por Pouco” (2000), do Mundo Livre S/A, que eu acho um dos melhores discos deles. Também trabalhei em diversos remixes. Fiz Jorge Ben, Fernanda Abreu, Marcelo D2, Otto, Seu Jorge. Houve também duas bandas estrangeiras, que me convidaram para gravar. O Chancho En Piedra, do Chile, que foi muito legal porque o disco dos caras foi platina, emplacaram seis singles e começaram a tocar em estádio. E os portugueses do Da Weasel, que estouraram depois do disco, que também chegou a platina e rendeu três singles no rádio.

E como foi a criação do Funk Como Le Gusta (FCLG)?

O FCLG foi uma criação minha com o Sergio Bartolo, que segue na banda até hoje. Eu me desliguei há uns sete anos. Tocava guitarra, sintetizadores e cantava. Era muito ativo tanto na parte de criação quanto na mão de obra. Criei o site, concebi os macacões, fechei shows, chamei convidados. Gravei o primeiro disco com eles e saí na mixagem, por conta de divergências quanto aos caminhos criativos, que não me agradavam mais.

Em 2005 veio o “Bambas e Biritas Vol. I”, seu primeiro disco solo, cheio de parcerias.

Foi um disco decorrente do nascimento do meu filho, o Caio. Compus as dez músicas em duas semanas, cantarolando no celular. Depois, corri atrás de parceiros para as letras, que eu acho uma parte mais delicada. E aí o disco tomou forma. Marku Ribas veio e cantou uma melodia onomatopeica, daquelas que ele fazia em “Zamba Ben”, e o Arnaldo Antunes criou a letra de “Fora do Horário Comercial” em cima da melodia. “Mandingueira” é cantada pela Elza Soares, que tem tudo a ver com a letra, assinada pela Iara Rennó. O Rappin Hood trouxe uma letra em homenagem ao Sabotage. Foi um disco que carimbou essa minha forma de produzir, que mistura ritmos, que mescla o velho com o novo. Não é old school, mas não é moderninho. É uma mistura entre sons e tempos.

Aí, em 2011, foi a vez do “Bambas Dois”, outra pedrada.

Acho que é meu trabalho mais representativo depois do “Afrociberdelia”. Um encontro da música do nordeste brasileiro com a música jamaicana. Consegui juntar Dominguinhos e Kymani Marley, mano! Fui à Jamaica três vezes e vivi episódios incríveis, como fazer jam sessions no quarto do Sizzla, um dos nomes mais importantes do reggae. Muita gente vai à Jamaica só para sugar o reggae deles, e nós levamos a nossa música. Quando os caras viam triângulo e zabumba sentiam o desafio ali, e isso deu um frescor especial para as músicas.

Você também já assinou trilhas sonoras de filmes. Como se enveredou por esse caminho?

Em 2000, veio o convite para fazer a trilha de “Primeiro Dia”, do Walter Salles. Me encantei por criar música vendo imagens, depois de tanto tempo trabalhando só com áudio. No cinema, você musica emoções, climas, cores. Depois, vieram os filmes da Lais Bodanzky, “Chega de Saudade” e “As Melhores Coisas do Mundo”. Fiz, ainda, o “Estamos Juntos”, do Toni Venturi, e o “Boca”, do Flávio Frederico. Recentemente, entreguei a trilha do “Escaravelho do Diabo”, do Carlo Milani, que sai agora em março. Traz duas músicas fortes, uma com o Arnaldo Antunes e outra com Paulo Miklos, Don L e Black Alien. Um filme que tem mais de 60 entradas musicais, é quase um musical.

E quais os seus projetos atuais?

Recentemente, eu e o Flávio Frederico passamos num edital do BNDES para fazer um longa. Vai ser um documentário que vai falar da soul music no Brasil, que teve nomes como Carlos Dafé, Hyldon, Tony Tornado e Tim Maia, e que desapareceu depois da discoteque. Ele vai virar também uma série, de seis capítulos, que vai passar no canal Curta. Na música, estou terminando o disco do Combo X, banda do Gilmar Bola Oito, que acabou de deixar a Nação Zumbi. Uma pena, inclusive. Era o cara que o Chico chamou para dar essa cara regional da Nação. Mas é natural, bandas tomam caminhos distintos, não dá pra dar opinião. Sei que é o segundo disco do Combo X, e mais uma vez uma parceria com o Bactéria (do Mundo Livre), que dá super certo. Também estou gravando o Tarântulas, projeto do Thunderbird (ex-VJ da MTV). Um trio de rock meio Pink Floyd do primeiro disco. Tem, ainda, o lançamento do “Bambas e Biritas Vol. I” em vinil, que deve rolar agora em março, comemorando os dez anos do álbum.