Quando criança, Miriam Ficher cansou de ouvir do irmão que sua voz era simplesmente “irritante”. “E eu acreditava”, admite ela, aos risos. Mal sabia ele que, anos depois, a carioca seria um dos nomes mais atuantes do universo da dublagem no Brasil. Hoje, com 55 anos e 42 nesse ofício, Miriam já emprestou a voz a personagens interpretadas por Angelina Jolie, Nicole Kidman e Meg Ryan, para citar algumas.
E foi justamente por essa trajetória de respeito que Miriam aterrissou em Belo Horizonte na última quinta-feira (25), para, dentro da programação da mostra “Dreamworks”, que ocupa o CCBB BH até esta segunda (29), conversar com o público sobre os desafios de sua profissão.
Revelada para o público por novelas como “Locomotiva” ou “Vejo a Lua no Céu”, ambas da Globo, na qual contracenou com nomes como Eva Todor, Aracy Balabanian e Lucélia Santos, Miriam migrou espontaneamente para os estúdios a convite da dubladora Angela Bonatti.
“À época, as vozes de crianças eram feitas por adultos, mas ela resolveu convidar uma pré-adolescente para dublar uma personagem nessa mesma faixa. Ela foi à Globo, fiz o teste, passei e fiz meu primeiro trabalho, ao lado do Cláudio Cavalcanti. E foi maravilhoso”, recorda ela, que, voltando ao comentário que o irmão costumava fazer na infância, diz ter aprendido que, no universo da dublagem, a voz não é tão importante quanto a interpretação.
Prova do êxito de Miriam no ofício é que ela não passa um dia sem ser reconhecida nas ruas pela voz – feito que, vamos combinar, é raro. “Eu já sou faladeira por natureza. Aí, vou ao supermercado, fico conversando na fila do caixa, e logo vejo alguém arregalando o olho”, diverte-se ela. Instigada a citar o maior desafio nessas quatro décadas de trabalho, Miriam aponta “Nell” (1994), filme no qual Jodie Foster vivia uma jovem eremita que se comunicava por uma espécie de dialeto próprio. “Falar daquele jeito foi desafiador”, lembra. Aliás, se pudesse escolher duas atrizes que gostaria de conhecer, citaria Jodie e Drew Barrymore.
Sobre Angelina Jolie, ela já dublou a voz da atriz em filmes como “Sr. e Sra Smith”. Mas salienta que nem sempre é ela a se incumbir dessa tarefa. “No caso de ‘Malévola’, por exemplo, fiz a voz no trailler, mas a dublagem do filme foi feita em São Paulo”. Na seara da animação e afins, Miriam já foi a Pandora de “Cavaleiros do Zodíaco”, Charlene da “Família Dinossauro” ou a Sara de “Cavalo de Fogo”. “Até hoje vejo adultos se derretendo pela Sara. Choram... É muito legal”. Dos estúdios Dreamworks, deu voz a Ginger, de “A Fuga das Galinhas”, e Kitty Pata-Mansa, de “Gato de Botas 3D”.
Já no universo do streaming, é a voz da Joyce (Winona Ryder) de “Stranger Things”. Bem, vale dizer que, como atriz, Miriam também deu o ar da graça na sétima arte, em filmes como “Bonitinha Mas Ordinária” (1981), e no teatro, em produções como “Gata em Teto de Zinco Quente”, onde dividiu o palco com Paulo Gracindo, Tereza Rachel e Antônio Fagundes.
Uma curiosidade: as duas filhas de Miriam também se enveredaram pela dublagem, embora hoje estejam mais dedicadas a outras profissões. Fazendo uma média de dez trabalhos por semana (às vezes, pois, mais de um por dia), Miriam só lamenta que, por conta da expansão do mercado – que ela, frise-se, acha salutar –, existam hoje, na praça, profissionais que aceitam remuneração menor que a da tabela. “Quem está começando não quer perder trabalho, mas é preciso pensar a longo prazo”, pondera.