“Ó menina vai ver nesse almanaque/Como é que isso tudo começou”. A trupe manda o recado logo de cara. Os versos de “Almanaque”, lançada pelo conjunto MPB4 em 1981, um ano antes de dar título ao álbum do autor da canção, um certo Chico Buarque, servem como amostra do que tem a cantar esse conjunto cheio de história. “MPB4: 50 Anos Ao Vivo” reitera as qualidades do quarteto vocal que por muito tempo se gabou de ser o mais antigo do mundo com os mesmos integrantes. A saída ruidosa de Ruy Faria (falecido há pouco tempo) e a perda de Magro, em 2012, não atenuaram o brilho das interpretações.

Embora a própria data seja motivo de controvérsia (se 1962 ou 1964), o fato, neste caso, é o que menos importa. Forjado em meados da década de 1960, quando a ditadura militar e os festivais de televisão favoreceram a criação de um samba estilizado dentro do círculo universitário, o grupo logo tomou para si a sigla que definiria todo um estilo. Como filho bonito sempre tem um pai, o que se diz é que Sérgio Porto, o popular Stanislaw Ponte Preta, autor de duas irreverentes canções carnavalescas (“Samba do Crioulo Doido” e “Nabucodonosor”, feita para Rogéria), foi quem os batizou.

Desde então a turma de Aquiles Reis e Miltinho, acompanhados no novo trabalho por Dalmo Reis e Paulo Malaguti Pauleira, se tornou sinônimo de uma música sofisticada, capaz de embalar os sentimentos escritos por poetas da canção popular, como Caetano Veloso, Chico Buarque, Aldir Blanc, Paulo César Pinheiro e tantos outros, graças, principalmente, aos arranjos vocais concebidos por Magro, que mudaram o paradigma do gênero.

Canções. Editado em CD e DVD, o produto audiovisual apresenta cinco faixas a mais, incluindo um pot-pourri com “Olê, Olá”, “Apesar De Você” e “Samba Do Avião”, entre outras. Preciosidades como “Partido Alto” e “Roda Viva”, possivelmente o maior sucesso da história do grupo, também constam apenas no DVD, inexplicavelmente. O que não muda é a escolha de “A Voz na Distância” para encerrar o álbum. A faixa vem a calhar, já que é uma explícita reflexão sobre a trajetória do grupo, escrita por Malaguti, o integrante com menos tempo de casa.

O gesto acena para outra decisão importante do MPB4, a de não se ater apenas ao passado de glórias. Algumas das melhores canções do álbum pertencem à lavra mais recente lançada pelo grupo, no álbum de 2016. É o caso de “Brasileia”, bem-humorada parceria de Guinga com Thiago Amud, que brinca com as contradições do Brasil. “Desossado”, de João Bosco e o filho Francisco Bosco, segue essa mesma toada, e é outra das mais frescas, de 2016.

Mas não há como excluir a necessidade de reverência a clássicos do quilate de “A Lua” (Renato Rocha), belíssima obra sobre as transições da natureza, “Cicatrizes” (Paulo César Pinheiro e Miltinho), crônica de um amor sofrido, e “Angélica” (Chico Buarque e Miltinho), feita para homenagear a estilista Zuzu Angel, que teve o filho assassinado pela ditadura, em registro interiorizado que exacerba a dor dessa terrível perda. Para completar, Kleiton & Kledir participam em “Vira Virou” e “A Ilha”, canções da dupla gaúcha. 

FOTO: GÊ ALVES PINTO/REPRODUÇÃO DA CAPA
“MPB4: 50 Anos Ao Vivo”, comemora a trajetória de um dos mais consagrados quartetos vocais do país, formado atualmente por Miltinho, Aquiles Reis, Dalmo Reis e Paulo Malaguti Pauleira