Na visão da atriz Flávia Pyramo, nada é por acaso. Talvez não seja mesmo. Na semana em que o espetáculo “Nastácia” estreia, completam-se 13 anos da criação da Lei Maria da Penha. O mecanismo legal não resolveu de forma definitiva a questão da violência contra a mulher, mas é um antídoto que se mostra ainda parcialmente eficaz.

Os números continuam absurdos. Segundo relatório do Fórum de Segurança Pública, 16 milhões de mulheres brasileiras com 16 anos ou mais sofreram algum tipo de violência ao longo de 2018. É por ser ainda tão grave a situação que contar a história de vida de Nastácia neste momento veio a calhar, segundo observa a atriz, que também é idealizadora do espetáculo.

A personagem foi retirada do livro “O Idiota”, do escritor russo Dostoiévski. Poderia ser mais um desses casos absurdos que frequentam diariamente o noticiário televisivo sensacionalista, mas o contexto de opressão pelo qual ela passou teve como cenário meados do século XIX.

Com direção de Miwa Yanagizawa e dramaturgia de Pedro Brício, a peça, que estreia nesta sexta (9) no Centro Cultural Banco do Brasil, opta por um recorte profundo para protagonizar essa existência feminina marcada pela subserviência. Com a morte dos pais, Nastácia fica sob a tutela do oligarca Totski (Chico Pelúcio), que impõe à jovem a um cotidiano de abusos. “É uma situação de tirania e crueldade familiar”, diz Flávia. 

Quando a menina completa 12 anos, seu tutor percebe que ela atinge uma beleza descomunal. Acontece uma arapuca. A noite de seu aniversário era para ser de celebração, mas Nastácia compreende que é alvo de um casamento arranjado.

Totski quer se casar com uma mulher da sociedade, e então precisa se ver livre de Nastácia. A saída é ofertar a jovem em casamento a Gánia (Odilon Esteves), desde que ele pague um dote. Em pleno aniversário, Nastácia precisa se desvencilhar do precipício que a espera.

“Na verdade, o que acontece ali é um leilão, e a peça fala dessa objetificação da mulher”, antecipa a atriz, que interpreta a personagem-título. A partir desse momento crucial, no qual seu destino será decidido, Nastácia toma as rédeas de sua existência e começa a narrar a sua história. “É como se pudéssemos dar voz a todas essas outras mulheres que continuam sofrendo”, explica Flávia.

No livro, o príncipe Míchkin tem papel central, por servir de gatilho para uma discussão sobre a bondade humana, um dos temas da obra. Considerado “positivamente belo”, ele é impactado pela beleza arrebatadora de Nastácia. Mas uma escolha promissora da dramaturgia deixa o personagem em paralelo. O público é incitado a se colocar no lugar de Míchkin, o que provoca um exercício de empatia. “Propomos uma aproximação com o espectador para que possamos reativar os afetos”, explica a diretora Miwa. Uma instalação assinada por Ronaldo Fraga e videoarte de Cao Guimarães devem ajudar nessa relação afetiva.

Além de provocar reflexões sobre gênero e moral, o espetáculo se presta ainda a uma ação social e de formação de plateia. Nas sessões das segundas e sextas-feiras, uma van irá buscar e levar moradores do Alto Vera Cruz até o teatro. Tanto o transporte quanto o ingresso serão cedidos gratuitamente aos interessados. 

Para Flávia, é uma forma de popularizar o acesso ao teatro. “Os ingressos das peças são caros, portanto, as pessoas ficam sem motivação para ir. Essa ação é uma forma de inclusão social e cultural. E, como temos patrocínio, é importante fazermos essa devolução, pois trata-se de dinheiro público”, assume.

Serviço. Peça “Nastácia”, dee 9 de agosto a 9 de setembro (de sexta a segunda-feira, às 19 h), no CCBB (praça da Liberdade, 450, Funcionários. 3431 9400) Quanto: R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia)