No início era o som. Assim começou o evangelho de uma das canções de Joyce, 70, “apóstola” confessa e dedicada da música. Com o poder da criação, a compositora logo transformou a insistente onomatopeia em palavra: “Boiou” deu título a uma das faixas do disco “Tudo” (2013). “Fiquei com aquilo na cabeça, e aí comecei a pensar em coisas que flutuam, como lua, vitória-régia, canoa, e também no sentido da pessoa que não entende nada, que boiou”, explica a cantora e violonista.

Em delicados versos ela canta: “a lua cheia cor de tangerina/ na paisagem nordestina/ Desenhada em papel/ Espalha estrelas feito purpurina/ Nos cabelos da menina/ Vai boiando no céu/ Boiou”. Joyce é uma das atrações da Mostra Cantautores (faz show no dia 10), que chega neste sábado (3) à sua sétima edição celebrando, justamente, o ofício de dar sentido a melodias.

Outra proposta do festival é que os convidados se apresentem apenas com um instrumento, para mostrar o primeiro formato que aquelas canções conheceram, reforçando, assim, a proximidade com a plateia. Comemorando 50 anos de carreira, Joyce preparou um repertório que vai perpassar toda essa trajetória, com sucessos como “Feminina”, “Mistérios” e “Essa Mulher” garantidos no set.

Mas ela também promete novidades, com obras de sua lavra mais recente. Em 2017, Joyce colocou na praça “Palavra e Som”, com 13 inéditas. “Fui a um evento da embaixada brasileira em Tóquio, e o Jyn Nakahara, que é um estudioso da nossa música, me contou que sou a artista do país que mais lançou discos no século XXI”, conta a entrevistada, que contabiliza 19 títulos nesse tempo, ultrapassando a marca de um por ano. “Nunca tinha me dado conta disso”, admite Joyce. Idealizado por Luiz Gabriel Lopes e Jennifer Souza, o evento ainda terá Angela Ro Ro, Zélia Duncan, Cátia de França, Jards Macalé e João Bosco, entre outros.

Piano

A estreia de Ro Ro em disco no ano de 1979 é considerada uma obra-prima. É certamente uma das grande estreias fonográficas na música brasileira. O repertório comprova: “Não Há Cabeça”, “Gota de Sangue”, “Amor, Meu Grande Amor”, “Mares da Espanha”, “Balada da Arrasada” e outras que foram gravadas por Maria Bethânia, Ney Matogrosso e Marina Lima.

Neste sábado, Ro Ro volta a esse repertório. E mais, vai estar acompanhada pelo instrumento que a auxiliou na composição dos clássicos, o que justifica o batismo do espetáculo: “Pilotando o Piano”. “Apesar de não ser uma virtuose, ponho a minha vida ali”, ressalta.

Releituras de clássicos de Janis Joplin e a impagável “Meu Mal É A Birita”, lançada em “Só Nos Resta Viver”, também vão estar presentes. Longe das bebidas alcoólicas há duas décadas, Ro Ro se diverte com a canção, ao dar “um enfoque engraçado”, diz. Para a autora que inspirou de Cazuza a Zélia Duncan, a identificação tem a ver com sua sinceridade. “Eu conto a história de uma música e as pessoas morrem de rir, falo que fui traída de forma absurda e as pessoas entendem que aqueles versos são literais, foram vividos”, afirma.

 

Perto de Minas e do continente africano

Filho de congoleses, François Muleka, 33, traz a arte em seu DNA. Os pais eram professores e músicos profissionais. Nascido em São Paulo, ele se mudou para Florianópolis há dez anos. Durante as travessias, no entanto, uma condição continuou a perseguir Muleka. “No momento que não estou no palco, sou notado pelo incômodo que causo naquele local, é a visibilidade do invisível”, afirma o compositor.

Na apresentação que realiza no Cantautores, ele quer falar diretamente para as pessoas que se encontram na mesma situação. Apenas com o contrabaixo, ele promete mostrar canções que refletem o racismo entranhado na sociedade brasileira. Em “Couragem”, Muleka sintetiza: “Por que me mira se não me vês?”, sublinhando a violência da palavra “mira”. Ligado à música mineira, Chico Saraiva vai cantar “Baião de Tomás”, “Na Virada da Costeira” e “Moçambique”, além de parcerias com Luiz Tatit e Chico César. “Cada vez que a gente compõe, nos tornamos uma pessoa diferente”, avalia Saraiva.

Atrações

Este fim de semana

Sábado (3): Angela Ro Ro, às 19h; e Zélia Duncan, às 21h30

Domingo (4): Cátia de França, às 17h30; e Jards Macalé, às 19h30

No Cine Theatro Brasil Vallourec (rua dos Carijós, 258). R$ 20 (inteira)