Livro-reportagem

Os bastidores de uma tragédia

Jornalistas Lucas Ragazzi e Murilo Rocha lançam seus olhares investigativos sobre o desastre de Brumadinho

Seg, 21/10/19 - 02h00
Ragazzi e Rocha. Os dois enfatizam que o livro não tem o propósito de denunciar uma pessoa ou outra, mas sim uma situação, que é a da mineração em Minas Gerais | Foto: Mariela Guimarães/divulgação

No primeiro encontro, o jornalista Murilo Rocha ouviu daquele que viria a se tornar uma das principais fontes de seu primeiro livro-reportagem, escrito em parceria com o colega Lucas Ragazzi, que, na história que ele tinha em mãos, enxergava potencial até para virar, “quem sabe, uma série da Netflix”. “Brinquei que uma série eu não conseguiria, mas um livro, sim”, relembra Murilo.

O café que marcou o contato inicial entre o editor-executivo de O TEMPO e do Super Notícia e o delegado da Polícia Federal (PF) Rodrigo Teixeira aconteceu no dia 15 de abril. Passados poucos mais de seis meses, “Brumadinho: A Engenharia de um Crime” (editora Letramento) será lançado na capital mineira em dois eventos nesta semana. Na sequência, Ragazzi e Rocha cumprirão agendas em praças como Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo.

O título do livro não dá margem a dúvidas: o foco, aqui, é a tragédia ocorrida no dia 25 de janeiro deste ano, que deixou o país perplexo. O rompimento da mina de Córrego do Feijão deixou 270 mortos, além de um impacto ambiental devastador, como a contaminação do curso do rio Paraopeba.

A empreitada que uniu Ragazzi e Rocha é baseada nas investigações dos delegados da PF Cristiano Campidelli, Luiz Augusto Pessoa Nogueira, Roger Lima de Moura e do já citado Rodrigo Teixeira. “O que talvez esse livro tenha (de diferencial) é que, por ser um livro-reportagem, ter uma pegada investigativa, estar baseado em um inquérito da PF, é que, de certa forma, ele consegue organizar uma sequência de eventos mostrando o que aconteceu nos bastidores entre (os desastres de) Mariana (no subdistrito de Bento Rodrigues, em 5 de novembro de 2015, que deixou 19 mortos) e Brumadinho. E aponta algo que considero fundamental: a Vale e a Tüv Süd (empresa de consultoria alemã) sabiam do risco elevado de ruptura da barragem I de Córrego do Feijão. Lógico que não queriam que ela se rompesse, que houvesse uma tragédia dessa dimensão, mas, desde novembro de 2017, quando foi realizado um painel com especialistas em BH, sabiam que havia o risco”, pontua.

O jornalista ressalta que, entre o citado painel e o desastre propriamente dito, vários outros episódios dignos de nota ocorreram em Brumadinho, “corroborando o entendimento de que a barragem I não apresentava um Fator de Segurança no mínimo aceitável”.

“Então, acho que o mérito do livro é organizar o encadeamento desses fatos, mostrando um comportamento no mínimo negligente da empresa, por nem ao menos ter retirado o centro administrativo do caminho da lama. O (delegado da PF) Luiz Augusto falou muito isso: talvez o rompimento não pudesse ter sido evitado, mas a tragédia humana, sim”, explica Rocha.

Mas se “Brumadinho: A Engenharia de um Crime” tem foco nos agentes envolvidos na tragédia, liga os episódios e também traz à tona outros elementos, como a troca de e-mails nos quais funcionários do alto escalão das companhias reconhecem que a barragem não tinha a estabilidade necessária para ser aprovada pelos órgãos fiscalizadores “e discutem medidas para burlar a fiscalização”.

Um fato novo foi detectado pelos dois jornalistas em meio a uma declaração de condição de estabilidade da barragem I, quando a Tüv Süd mudou o padrão de segurança. Ali foi citado um estudo de dois professores norte-americanos que, em tese, embasaria a manobra. “A gente localizou um deles (Ben Leshchinsky), que ficou surpreso de o estudo ter sido usado para essa finalidade, o que desconhecia até então, mesmo tendo ciência da tragédia. E ele diz que era apenas um modelo comparativo entre dois tipos de barragem, portanto não poderia embasar a formulação de um novo Fator de Segurança”, diz Rocha.

Evidentemente, a tragédia humana também ganha relevo na obra dos dois jornalistas. “Foi muito difícil, foram entrevistas nas quais, logicamente, as pessoas choravam muito, ao relembrar. E a gente acaba se emocionando também, tanto quando estava ouvindo quanto depois, escrevendo, porque são histórias dramáticas”, diz, citando o caso de Maria de Lourdes, que perdeu a irmã, Daiana, e o genro. “Da irmã, ela só pôde enterrar o pé, que foi o que lhe foi entregue, em uma caixa”, lamenta. 

Lançamentos

Eventos. O livro será autografado na quarta (23), às 19h, no Teatro da Assembleia Legislativa (rua Rodrigues Caldas, 30). E no sábado (26), na Livraria da Rua (rua Antonio de Albuquerque, 913, Savassi).

Brumadinho: A Engenharia de um Crime

Lucas Ragazzi e Murilo Rocha

Editora Letramento

264 páginas

R$ 49,90

Obra baseada nas investigações da força-tarefa da PF, tendo à frente Cristiano Campidelli, Luiz Augusto Pessoa Nogueira, Rodrigo Teixeira e Roger Lima de Moura, delegados.

 

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