Debate

Para além da Academia

Mesmo preterida, Conceição Evaristo faz história ao se candidatar a imortal da ABL

Por Alex Bessas e Patrícia Cassese
Publicado em 01 de setembro de 2018 | 03:00
 
 
Gustavo Miranda/divulgação

Em eventos recentes, a escritora já havia reconhecido: tratava-se de missão quase impossível. Mesmo assim, o fato de a belo-horizontina Conceição Evaristo ter perdido (para o cineasta Cacá Diegues) a disputa para a cadeira de número 7 da Academia Brasileira de Letras (ABL), na última quinta-feira, reverberou nas redes sociais e na mídia de modo geral. Se eleita, a mineira seria a primeira mulher negra a se tornar uma imortal na centenária (foi fundada em 1897) instituição sediada no Rio de Janeiro. “Já tinha escutado nos bastidores que Diegues era o favorito”, confirmou ela ao Magazine nessa sexta-feira (31), sobre a vaga que foi aberta com a morte de outro cineasta, Nelson Pereira dos Santos, em abril.

Para Conceição, a ABL seria, sim, uma conquista. “Mas não demarcaria a minha carreira”, argumenta ela, que não se deixa abater pelo resultado. “Toda vez que tiver uma vaga, vou me candidatar, sim”, completa. Vale lembrar que Antonio Cícero tentou duas vezes a ABL antes de ser eleito na terceira, em 2017. Menos êxito teve Lima Barreto no passado: um dos maiores cânones da literatura brasileira candidatou-se duas vezes, mas não obteve a vaga.

Fato é que a candidatura de Conceição adquiriu contornos inéditos por conta da mobilização nas redes sociais – uma campanha a favor da escritora recolheu nada menos 25 mil assinaturas. E o fato de ela ter recebido apenas um voto gerou, claro, questionamentos. “A escassez de votos sinaliza um profundo racismo”, sentencia o poeta mineiro Jovino Machado. “Eles (membros) não querem se misturar à deusa Conceição porque ela é uma legítima representante dos oprimidos do Brasil real. E, assim, a ABL perde uma grande chance de se tornar contemporânea – e de se aproximar do povo brasileiro”, analisa.

Criadora do projeto Margens, que visa mapear e dar visibilidade às mulheres na literatura dita marginal/periférica, a jornalista Jéssica Balbino concorda que, no fim das contas, quem perdeu foi a ABL. “Perde-se em ‘escrevivência’ (termo criado por Conceição), na possibilidade de ter uma mulher negra e com uma obra e trajetória incríveis. Perde-se por manter o mais do mesmo”, defende.

Atualmente contabilizando apenas um negro em seu corpo, o escritor Domício Proença Filho, a ABL também é criticada pela jornalista e livreira Etiene Martins. “Quem sentou na cadeira (na eleição) foi o homem branco, mas quem saiu imortalizada foi Conceição”, aponta, referindo-se à repercussão decorrente do fato. “O homem branco racista faz questão de repetir que não há espaço para a gente, mas ela, ao contrário, prova que sim. Conta a nossa história de forma digna, sem estereótipos, portanto me representa. A mim e a muitas mulheres negras – inclusive fora do país”, diz.

Premiada. Aos 71 anos, Maria da Conceição Evaristo de Brito já angariou reconhecimento por sua obra – no ano passado, por exemplo, foi agraciada com o prêmio Governo de Minas Gerais de Literatura, promovido pela Secretaria de Estado de Cultura. Coordenador de Promoção e Articulação Literária do certame, João Barile lembra que o nome de Conceição foi apontado pelos jurados. Mesmo não tendo tido qualquer ingerência, ele reconhece o quanto se sentiu feliz em vê-la de volta a seu Estado natal (atualmente, ela mora no Rio de Janeiro) para a láurea.

Não por outro motivo, o gestor cultural e escritor Afonso Borges frisa: “Até Guimarães Rosa perdeu a primeira eleição. Tantos excelentes, também. Alguns desistiram. Por isso, espero que ela insista, pois acredito que seja importante a presença de uma pessoa como ela, do valor literário e pessoal, simbólico, que ela tem. Mas tem que continuar tentando, pois a eleição na academia é um rito, é diferente. Tem que percorrer todo o rito”.

O editor e jornalista José Eduardo Gonçalves completa: “Independentemente das qualidades de Diegues, que merece todo respeito, e a ABL é polifônica, contempla várias áreas, entendo que a casa perdeu uma oportunidade de fazer um alinhamento histórico: colocar nos seus quadros uma autora negra deste calibre”.

Procurada, a ABL não se manifestou até o fechamento desta edição.

Minientrevista

Conceição Evaristo

Escritora, nascida em Belo Horizonte, autora de livros como “Olhos
D’Água” (Prêmio Jabuti), “Becos da Memória” e “Ponciá Vicêncio

O que sentiu ao se inteirar da mobilização nas redes em torno de seu nome?

Foi muito bonito. Acompanhei tudo e ainda vou escrever um texto agradecendo. Foi um processo coletivo, algo que aconteceu dentro da lógica do meu propósito de vida, que é trabalhar coletivamente. Estou muito grata.

Esse engajamento do público já representa um avanço no que tange às eleições?

Sem sombra de dúvida. Na história das eleições na ABL nunca houve um processo como esse. Foi um processo muito particular mesmo. E quando tiver uma outra cadeira, eu vou me candidatar de novo. Esse processo é muito vivo, e caminha no sentido de cumprir nossos objetivos.

Você não ficou exatamente surpresa com o resultado, confere? 

Não fiquei muito surpreendida, não. A candidatura é feita, apresentada com uma certa antecedência. Então, parece que alguns candidatos já tinham começado essa movimentação, esse processo. Eu já sabia, já tinha escutado nos bastidores que o Cacá Diegues era o favorito.

Por outro lado, a senhora já arrebanhou um reconhecimento literário que independe deste pleito...

Veja, quando chego a me candidatar a ABL é porque já tenho um nome posto na literatura brasileira. A ABL seria um espaço em que eu estaria representando essa literatura, que é a de uma realidade muito específica nossa. Mas a ABL não seria uma coroação, não seria um fim nem um início, mas um caminho, um espaço a mais. Mas a nossa literatura já está posta. Para se candidatar à ABL, você precisa ser um cidadão brasileiro e ter um livro escrito. Eu sou cidadã brasileira e tenho seis livros escritos, com traduções. A ABL seria uma conquista a mais. Não demarcaria a minha carreira.

Vai voltar a se candidatar? 

Sim. Toda vez que tiver uma vaga, eu vou me candidatar, sim.