Festival

Para enxergar além dos próprios olhos

Oitava edição do Cinecipó debate questões indígenas, negras e de gênero; veja

Por Raphael Vidigal
Publicado em 11 de dezembro de 2019 | 03:00
 
 
O filme “Negrum3” propõe um mergulho na trajetória de jovens negros e periféricos na cidade de São Paulo Alexandre Leopoldino/Divulgação

Há 11 anos não se matavam tantas lideranças indígenas no Brasil. O resultado da pesquisa feita pela Pastoral da Terra, que detectou 27 mortes em conflitos no campo, sendo sete de líderes indígenas, surge no momento exato em que tem início a 8ª edição do Cinecipó: Festival do Filme Insurgente. Um dos curadores da mostra, ao lado de Fabiana Leite e Luís Felipe Flores, Cardês Amâncio não vê como descolar os dois acontecimentos. 

“É um dado muito triste. O cinema lida com múltiplas realidades e, a partir do momento em que as pessoas têm acesso a outras formas de vida, elas passam a respeitar mais”, observa Amâncio. Realizador indígena, Gilmar Galache endossa o discurso. “É uma forma de compartilhar a perspectiva indígena, com seus modos de ver o mundo. Somos mais de 280 povos no país”, informa ele.

Patrícia Ferreira é um exemplo vivo dessas palavras. Dirigido por ela, em parceria com Sophia Pinheiro, o documentário “Teko Haxy: Ser Imperfeita”, será exibido no festival. Moradora da aldeia Ko’enju, em São Miguel das Missões, no Rio Grande do Sul, Patrícia é indígena da etnia Mbyá-Guarani, e passou a ter contato com o cinema graças a oficinas levadas para o local a partir de 2007.

Professora na aldeia, inicialmente Patrícia se sentiu encabulada de participar das oficinas, “porque só havia meninos”, conta. “Dava um pouco de insegurança, mas, em 2008, passei a fazer traduções da língua guarani para o português, e depois comecei a produzir filmes”, completa ela. “Teko Haxy: Ser Imperfeita” usa uma linguagem experimental para captar o encontro íntimo entre duas mulheres, a partir da investigação sobre os olhares das próprias diretoras: uma cineasta indígena e uma artista visual e antropóloga não-indígena.

O batismo do filme levou em conta reflexões místicas e existenciais. “Para nós, guaranis, o perfeito só existe na morada dos deuses. Então, nós somos duas imperfeitas”, explica Patrícia. Com 74 curtas e 11 longas, a programação traz cursos e oficinas e contempla “temáticas políticas contemporâneas, como as indígenas, negras e LGBTQI”, encerra Amâncio. 

Programe-se

8ª edição do Cinecipó, desta quarta (11) a 15 de dezembro no Cine Humberto Mauro (av. Afonso Pena, 1.537); e de 17 a 21 de dezembro no Sesc Palladium (av. Augusto de Lima, 420). Entrada gratuita.