Tão de perto que “a epiderme revela cada cicatriz, topada, tropeço e, também, os acertos”. “Não é uma perspectiva muito glamourosa, quem está construindo normalmente tem certo pudor em mostrar”, admite Pedro Luís, 59. A explicação encontra foco em “Macro”, título do novo trabalho do músico, cujo “atravessamento de imagem e som foi o ponto de partida”. Antes de virar disco com 13 canções inéditas de Pedro Luís – o primeiro desde 2011 –, a iniciativa se fiou no encontro criativo do cantor carioca com o artista visual Batman Zavareze.
Ambos se provocaram mutuamente no processo que venceu um edital para ser levado ao palco do Teatro Oi Casa Grande, no Rio, após um mês de experimentações no estúdio Lab Oi Futuro. A construção coletiva, que permitiu a presença de cinema, artes plásticas, música, intervenções e performance, num amplo espectro da arte contemporânea, recebeu identidade gráfica da Cubículo e apoio da Baluarte Cultura, os quais Pedro Luís considera “parceiros essenciais”. Outro ponto foram as participações especiais. No show, elas surgiram virtualmente.
Videoclipes
De folga, Pedro Luís foi passar um final de semana na roça, quando “o trivial trouxe a provocação vigorosa” que ele buscava para Ney Matogrosso. “O Ney estava com outra música na cabeça, mas eu e o Batman cismamos que ele deveria cantar essa e começamos a investir em uma roupagem que o seduzisse. Felizmente, a sedução deu certo”, diverte-se Pedro Luís.
A referida “Pregos na Garganta” vai fundo nas metáforas: “Quase homicida foi sua partida na Semana Santa/ E deixou marcas tá chovendo pregos na minha garganta/ Meu coração tá na mão/ Minha cabeça no pé”, dizem os primeiros versos. “Queria imagens fortes que representassem o abandono”, revela o entrevistado. A canção é uma das quatro que já ganharam clipe.
Ao longo de três minutos, Ney aparece dançando, fotografado em preto e branco. “Esse videoclipe foi um acontecimento, com o figurino e a luz que são próprias do Ney. Ele embarcou na ideia e se envolveu muito. Ney se joga inteiro no que faz”, elogia o anfitrião. Em “Faz um Carnaval Comigo”, parceria de Pedro Luís e Jade Baraldo, que contracena com o cantor, a sensualidade dita o ritmo.
Um dos nomes mais incensados da nova geração, Jade tem feito jus ao barulho em torno de seu trabalho. “A Jade tem uma potência incrível, ficamos amigos rapidamente”, destaca Pedro Luís, que fez questão de trazer outro jovem para seu lado. Escrita “há alguns anos” com Vanessa da Mata e Roberta Sá, a faixa “Na Contramão” esperava o momento certo para ver a luz do dia, o que aconteceu quando Pedro Luís travou contato com o conterrâneo Rubel, que lhe confessou a vontade de ter composto a música.
Não há como negar que os versos fofos e a melodia suave são a cara do convidado. “Dizem que é doce, eu acho amargo/ Gostam do prato que eu acho salgado/ Estou fazendo mais do que eu consigo e posso”, entoa, em uníssono, a dupla carioca.
Por fim, a jornalista, escritora e atriz Bianca Ramoneda comparece dando voz a um texto de sua autoria, na faixa “Dados/Um Lance”, que questiona as relações humanas com a tecnologia. “Nesta vida, tudo tem lado negativo e positivo. Sou otimista, e, teoricamente, a tecnologia democratiza a informação. Os problemas estão embutidos, como em todas as ferramentas, que podem ser bem ou mal utilizadas”, avalia Pedro Luís.
Inspiração
“Conhecer outros mundos, sentado em uma sala escura” é algo que “da infância à vida adulta” interessou a Pedro Luís. Logo, ele não se faz de rogado ao admitir que, para ele, “o cinema pode ser mais inspirador do que a música”. “Talvez seja a arte audiovisual mais poderosa do planeta, capaz de te transportar para outras dimensões”, observa.
O novo conjunto de canções trouxe à baila ideias que jaziam na gaveta do músico, caso da envolvente balada “Se Eu Merecer”, com letra de Ivan Santos. Já “Bem-Vindos”, que abre o álbum, seguiu outra rota. Desta vez, foi Pedro Luís quem fez a encomenda a Santos, a fim de abordar um tema urgente: a migração de refugiados.
Outra tragédia, o incêndio no Museu Nacional do Rio de Janeiro, em setembro de 2018, deu o mote para “Cores do Fogo”, enquanto “TV Caô” promoveu a primeira parceria entre Pedro Luís e Russo Passapusso. “Nesse momento em que a cultura está sendo atacada, desvalorizada e até criminalizada, é um sonho você ter iniciativas que apostem nesses delírios ousados, ‘fora da caixinha’, isso nos deixa animados”, finaliza o compositor.