Carnaval

Rei do trio elétrico!

Baianas Ozadas homenageia Moraes Moreira neste ano, em desfile reverenciando a história do primeiro cantor de trio elétrico do país

Por LUCAS SIMÕES
Publicado em 12 de janeiro de 2017 | 03:00
 
 
Duke

Quando Moraes Moreira subiu em um trio elétrico em 1975, em Salvador, Bahia, e cantou “Pombo Correio”, com letra escrita por ele sobre um sucesso carnavalesco instrumental de Dodô e Osmar composto em 1950, o Carnaval ganhou seu primeiro cantor e compositor de trio elétrico. Surgia ali uma fagulha que iria inspirar desde os gigantescos trios de Ivete Sangalo e Daniela Mercury, com seus hits absolutos, até os mais modestos, com som e estrutura precária, rodando muitas vezes apenas com o combustível da disposição.

Uma história dessas em pleno início de janeiro, com o verão alto batendo a toda, é mais do que mera inspiração para Belo Horizonte e seu Carnaval incipiente, mas a cada ano mais explosivo. Em 2017, será realidade. Aproveitando os 70 anos de Moraes Moreira recém-completados, o bloco Baianas Ozadas, que arrastou 300 mil pessoas no ano passado e se firmou como o maior da cidade, homenageia o percussor de trio elétrico no Brasil, com direito a boneco gigante, camisetas com a charge do baiano criada pelo cartunista Duke, de O TEMPO  e um desfile que promete ser histórico.

Com o tema “Salve, Moraes dos Eternos Carnavais”, o Baianas Ozadas também recontará nas ruas a história das primeiras folias em trio elétrico, ainda nos anos 50. “Moraes é o maior herdeiro de um Carnaval histórico de Dodô e Osmar. Até a criação do trio elétrico, tínhamos um Carnaval reservado à elite que frequentava os bailes e clubes pagos. O trio levou a folia para a rua. E Moraes é parte fundamental disso”, diz Geo Cardoso, idealizador do Baianas Ozadas.

Em agosto do ano passado, Cardoso encontrou Moraes no Palácio das Artes, em sua passagem pela cidade com o show “Moraes Moreira canta Novos Baianos”, e propôs a parceria. “Ele ficou bastante orgulhoso e agradecido, botou pilha na gente”, diz Geo.

Um dos parceiros de Moraes nos anos 70, o poeta baiano Antonio Risério, primo de Cardoso e autor de seis ou sete músicas com Moraes, lembra que o espírito carnavalesco da época era fazer acontecer a “blacktitude baiana”.

“Nós nos concentramos num apoio total ao processo de reafricanização da Bahia. Caetano escreveu ‘Beleza Pura’, eu escrevi ‘Moçambique’, celebrávamos o Ilê Aiyê e o Afoxé Badauê etc. Havia um engajamento político-cultural explícito, no campo de uma ‘blackitude baiana’, como dizia Waly (Salomão)”, lembra Risério.

História. Nas ruas de Belo Horizonte, como tem sido construída a folia, a ideia de resgatar todo esse espírito, a partir do pioneirismo de Dodô e Osmar, dupla que inaugurou o Carnaval de rua ao desfilar em 1950 em cima de um Ford 1929, tocando canções da Academia de Frevo do Recife. Foi a primeira vez que eles usaram o instrumento chamado “pau elétrico”, um braço de cavaquinho com captador, sem corpo instrumental – resultado de uma pesquisa de mais de dez anos dos músicos em como amplificar o som dos instrumentos sem microfonia. Estava criada a primeira “guitarra-cavaco”, com poder de amplificação, e regada a uma levada bem baiana, marca do Carnaval.

“Antes disso, em 1932, já tínhamos esboços da guitarra nos Estados Unidos. Mas, entre 1944 e 1945, Dodô e Osmar, que também eram estudantes de eletrônica, faziam bailes em clubes com o inventivo ‘pau elétrico’, sem saber muito do que se passava lá fora. Ou seja, a guitarra também tem uma raiz brasileira, especialmente baiana. E uma grande influência de Moraes”, diz Cardoso.

Música. Por isso, todo o repertório de Moraes Moreira interpretado pelo Baianas Ozadas estará costurado com o contexto dos trios elétricos. Hoje, a bateria ensaia cerca de dez músicas, passeando pelos clássicos “Pombo Correio”, com letra de Moraes escrita sobre a instrumental “Double Morse” (1950), de Dodô e Osmar, e “Chame Gente” (1986), que mistura o sagrado e o profano, os filhos da Sé e os filhos de Ghandi, exaltando a diversidade carnavalesca. Além disso, a bateria vai passear pela fase Novos Baianos, interpretando “Swing de Campo Grande” e outras surpresas. No quesito rítmico, uma novidade.

“A tônica da bateria vai ser um ritmo novo. O Baianas executa samba, reggae, samba afro, samba duro, ijexá, e agora faremos o galope, que é o chamado ‘frevo baiano’. É uma forma de exploramos essa sonoridade do Moraes de guitarras e percussões”, diz Cardoso.

Além disso, o Baianas Ozadas também vai estrear um boneco gigante de Moraes Moreira, nos moldes das famosas confecções de Olinda. Elaborado por Paulo Emílio, ex-bonequeiro com 16 anos de experiência e passagem pelo grupo Giramundo, o boneco terá três metros de altura, retratando Moraes Moreira na fase Novos Baianos, com a tradicional cabeleira solta mantida até hoje.

“O material é bem similar ao que é usado nos bonecos de Olinda: isopor, madeira, tecido e couro, com uma estrutura de madeira que funciona como uma mochila para a pessoa usar e ‘vestir’ o boneco. A diferença é o acabamento de cada artista, no caso, o meu, com referências próprias de pintura”, diz Paulo.

Preparação. Se no ano passado o Carnaval de Belo Horizonte teve 250 blocos com um público de 2 milhões de pessoas nas ruas, neste ano, com mais de 400 blocos cadastrados, a perspectiva é superar a marca de 2016 – segundo estimativa da Belotur, a festa deve reunir 2,4 milhões de foliões.

Para evitar problemas e reclamações sobre o som, como aconteceu neste e em outros anos, a bateria começou a se preparar com antecedência, oferecendo oficinas desde outubro do ano passado. Serão de 250 a 300 instrumentistas comandados pelo regente e percussionista Bill Lucas.

“A bateria no ano passado teve alguns problemas, sim. A base era 99% amadora, e tivemos certa dificuldade de sincronia. Em cerca de metade do desfile, a gente teve que silenciar a bateria, que não estava conseguindo acompanhar a harmonia e os cantores. A ideia deste ano é ter um som mais coeso e uma festa ainda mais bem produzida”, completa Cardoso.

Ensaios

Os ensaios do Baianas Ozadas acontecem aos sábados, a partir das 10h, no Centro Mineiro de Referência de Resíduos (avenida Belém, 40, esquina com avenida dos Andradas, no bairro Esplanada). Em janeiro, os batuques acontecem neste sábado (14) e nos dias 21 e 28. Em fevereiro, o pré-Carnaval está marcado para os dias 4, 11 e 18.


Geo Cardoso

“É o Carnaval da democracia, sem excluir ninguém”

FOTO: DIOGO FABRIN / Divulgação
Idealizador do Baianas Ozadas comenta preparativos do Carnaval

Geo Cardoso, músico e idealizador do Baianas Ozadas, avalia a construção do Carnaval de Belo Horizonte, a importância de percorrer o caráter histórico da folia, sua ligação quase familiar com Moraes Moreira e a expectativa para arrastar mais uma vez milhares de pessoas pelas ruas da cidade a partir do final de fevereiro.

As homenagens fazem parte da tradição do Baianas Ozadas. Como isso contribui para o enriquecimento do Carnaval belo-horizontino?

Desde 2013 nos preocupamos em ter uma temática, homenagear alguém. É importante perceber o histórico do que estamos fazendo hoje. Passados 40 anos de história, depois de Moraes começar a cantar nos trios, as Baianas em 2017 querem manter o mesmo espírito. A gente sai da praça da Liberdade e termina na praça da Estação, no meio do povo. É o Carnaval da democracia, de todos, sem excluir ninguém.

Você tem um laço quase familiar com Moraes Moreira, certo?

Sim. É uma relação afetiva, de admiração, mas também passa pela questão familiar. Moraes tem amizade com um tio meu, baiano. Mas, além disso, tenho um primo mais velho, o Antonio Risério (antropólogo, historiador e poeta), que é parceiro de Moraes em algumas letras, como “Eu Sou o Carnaval” e “Assim Pintou Moçambique”. O Antonio mora em Salvador, mas eu sou baiano de Ilhéus. Nossa família se encontra mesmo em Brumado, no sertão baiano, onde tenho família. É bastante especial homenagear o Moraes por isso também.

Além de ser o primeiro cantor de trio, qual é a importância da música de Moraes Moreira para o Carnaval?

O Moraes tem outra questão, que é pensar no Carnaval democrático. Em determinado momento, entre 1974 e 1975, por aí, ele amplia sua música, traz os ecos do Carnaval afro dos blocos de Ilê Aiyê. Porque o negro também não tinha espaço no novo Carnaval que estava acontecendo. Moraes foi o primeiro a trazer a batida do ijexá para o violão. E isso é uma grande inclusão.

Como você avalia a construção do Carnaval da cidade, que teve problemas com som em outros anos, vem tentando captar recursos de forma horizontal e acontece essencialmente nas ruas?

Eu acho que toda cidade carnavalesca passou por entraves para construção do modelo de Carnaval. Pessoas hoje vão para Recife, Olinda, Salvador, Rio de Janeiro – e lá tem uma história bem mais antiga. BH vive hoje um amadurecimento, estamos em plena feitura do Carnaval e ainda aprendendo a fazer, organizar. É uma cultura muito nova para a cidade, assumida há apenas alguns anos. Mas é importante planejar esse modelo de festa para evitar fatos indesejados, segregações, enfim. Se há arrastões nos camarotes de Salvador, então nós não queremos camarotes separando as pessoas nas ruas.