Dívida

Sem as asas para poder voar

Museu de Cabangu, localizado na cidade de Santos Dumont e dedicado ao pai da aviação, anuncia o seu fechamento

Por Raphael Vidigal
Publicado em 15 de janeiro de 2019 | 03:00
 
 
Alberto Santos Dumont voltou à casa onde nasceu para trabalhar como fazendeiro

As chamas que tomaram conta do Museu Nacional, no Rio de Janeiro, em setembro do ano passado, assustaram Mônica Castello Branco. “Não garanto que o nosso museu esteja defendido contra esse tipo de tragédia, estamos há muito tempo sem receber uma revisão. O fechamento é também para a proteção desse acervo”, afirma Mônica, curadora do Museu de Cabangu, que funciona na casa onde nasceu Santos Dumont, em 1873, no município que leva o nome do “pai da aviação”, em Minas Gerais.

Nessa segunda-feira (14), o museu fundado em 1973 – no centenário de nascimento de Santos Dumont –, anunciou que fechava suas portas por tempo indeterminado. A decisão foi motivada pela falta no repasse de verbas que deveria ser feito pela prefeitura do município, e que, de acordo com Mônica, foi interrompido em abril de 2018. Dessa forma, os dois serventes e as duas guias estavam trabalhando sem receber, “mas sem o mesmo entusiasmo de antes”, declara Mônica.

“Parar agora é a única forma de pressão que temos para ver o que pode ser feito. Antes de chegar a esse ponto fomos muitas vezes até a prefeitura e pedimos a eles para pensar na gente, mas não obtivemos nenhuma retorno”, informa Mônica, que é filha de Tomás Castello Branco, presidente da instituição.

Impasse. Secretário de Administração de Santos Dumont, José Geraldo de Almeida disse que a prefeitura agendou para esta terça-feira (15) uma reunião com o presidente do museu, para tentar colocar fim ao impasse. A proposta que vai ser apresentada é a de quitar até três parcelas do repasse de verbas, e o secretário se mostra confiante. “Certamente na quinta ou no mais tardar na sexta-feira o museu será reaberto”, garante. “É o nosso maior e principal ponto turístico, porque é o único museu do mundo que tem peças originais usadas por Santos Dumont. E ele é bastante frequentado. Uma cidade de 50 mil habitantes não pode permitir o fechamento de um museu como esse”, completa Almeida.

Segundo ele, a intenção é firmar um novo contrato entre as partes. “Em junho de 2018, o convênio que já vinha de outras administrações foi renovado, aumentando o repasse de 8.000 para 12.000 reais”, assegura. A partir de agosto, a falta de repasse do Estado para a prefeitura teria diminuído a arrecadação. “Foi determinado pela prefeitura a subvenção do repasse de várias instituições, não apenas do museu. Não que a cultura não seja uma prioridade, mas a gente precisava resolver questões mais urgentes, de educação, transporte, merenda, hospital e por aí vai”, justifica.

Caso não haja um acordo na reunião, o secretário afirma que ainda assim o museu não ficará fechado. “Se fechar, vamos entrar com medida judicial. A área é do município, podemos cancelar o convênio e assumir o museu”, declara. Procurado, o governo de Minas informou ter repassado, na primeira semana da atual gestão, R$ 650 milhões para os municípios mineiros, e que trabalha para regularizar os repasses a todas as prefeituras.

Embora não seja a primeira vez que o Museu de Cabangu enfrenta uma situação delicada, Mônica considera a atual a mais grave de todas. “Já houve, mas não tão forte, e nem por tanto tempo. Cultura no Brasil não é prioridade, temos sempre que ficar pedindo e indo atrás. É, sem dúvida, a nossa crise mais prolongada”, diz. Apesar disso, a curadora mantém a esperança. “Acredito que a mobilização em torno do impacto que estamos gerando será grande, estou recebendo telefonemas o dia inteiro”, revela.

Com uma importante coleção de cartas, fotografias, desenhos, documentos, maquetes, roupas, móveis e objetos “deixados como um museu em vida pelo próprio Santos Dumont em 1920”, além de doações da família, a instituição recebia em média 2.000 visitantes por mês. “Santos Dumont é uma pessoa universal, que tornou o nosso museu em um atrativo internacional. São incontáveis os números de vezes que recebemos visitas estrangeiras”, destaca Mônica, que diz ter atendido turistas de países como Uruguai, Argentina, Portugal, França e Alemanha. Afora o acervo, ela destaca o próprio imóvel como uma espécie de joia da coroa.

“Além de ser a casa natal do Santos Dumont, ele foi proprietário dela e retornou para trabalhar como um fazendeiro da Mantiqueira. O único lugar do mundo que guarda a história de Santos Dumont como um homem comum é aqui”, exalta. Na cidade de 46.300 habitantes, o fechamento do museu causou tristeza. “É um símbolo importante que estamos perdendo. Ser a terra de Santos Dumont sempre foi um orgulho da nossa gente”, sustenta a secretária paroquial Maria Luiza de Lima.

Débitos impedem projetos do museu de andar

De acordo com a curadora Mônica Castello Branco, a manutenção do Museu de Cabangu era feita por um triunvirato (expressão que alude a uma aliança política entre três forças). A Fundação Casa de Cabangu, criada em 1949, se responsabiliza pelo acervo.

O Ministério da Aeronáutica cuida da segurança do museu e da área externa e, mesmo com o fechamento à visitação, manterá esse serviço para proteger o acervo.

À prefeitura, caberia o pagamento dos funcionários, e foi a falta dele que acarretou nas dívidas trabalhistas que impedem o museu de se beneficiar de leis de incentivo como a Rouanet. Os débitos levaram à inscrição do CNPJ no cadastro de devedores e a fundação não consegue as certidões negativas para se beneficiar do mecanismo.
Visando outra solução, em 2018 a fundação lançou a campanha online “Somos Todos Museu Cabangu”, com o objetivo de arrecadar R$ 177 mil, mas só conseguiu R$ 7 mil.

“Temos projetos prontos, mas falta o financiamento. O que vamos fazer agora é realizar novos inventários para remanejar o acervo e mantê-lo protegido”, conta Mônica. Atualmente, há outros museus em situação precária no país. De acordo com o Instituto Brasileiro de Museus, 7% deles estão fechados, contabilizando 261 ao todo.