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Textos de Virginia Woolf, Hilda Hilst e Angelo Machado inspiram peças

Campanha de Popularização do Teatro e da Dança oferece espetáculos inspirados em textos literários que ganharam os palcos

Sex, 25/01/19 - 02h00

O fim de semana da Campanha de Popularização do Teatro e da Dança oferece espetáculos inspirados em textos literários que ganharam os palcos. A variedade é grande: desde a comédia rasgada “Como Sobreviver em Festas de Buffet Escasso”, passando por monólogos e trabalhos mais densos como “Ivan”, “Orlando: Um Prólogo” e “O Importado” e chegando ao infantil “A Patinha Feia”

Autor do sucesso de público de Carlos Nunes (“Como Sobreviver….”), Ângelo Machado aponta as diferenças entre teatro (dramaturgia) e literatura. “O teatro é mais emocionante, por conta da presença do público”, avalia o escritor, comparando as possibilidades de teatro e literatura. “Às vezes, você escreve e não sabe como ele vai chegar nas pessoas. No teatro, a resposta é imediata”, completa. Na edição de 2019, Machado verá a estreia de seu texto “A Patinha Feia” nos palcos da Campanha.

No caso de “O Importado”, de Odilon Esteves, o texto veio do conto “O Importado Vermelho de Noé”, de André Sant’Anna. “Levar um conto para o teatro é diferente de que se fosse um romance ou novela. Pois nestes casos, é necessário fazer um recorte da obra, do que se deseja contar. O conto possibilita até que você acrescente coisas. O desafio, em ‘O Importado’, é construir uma encenação que caminhe paralelamente com o conto e mantenha sua força original”, pondera Odilon Esteves, responsável pela encenação.

Apesar de encenar o conto na íntegra, Esteves sentiu a necessidade de acrescentar textos escritos por ele mesmo, de modo a não deixar a crítica de André Sant’Anna ser mal interpretada por seus espectadores. “Eu senti a necessidade de escrever um prólogo, uma intervenção e um pequeno epílogo. Essas inserções foram para ter certeza da atualização da peça para os dias de hoje, do conto nos dias de hoje, e como a obra toca em temas delicados (como racismo, meritocracia, machismo), eu achei importante sublinhar esses temas nesses textos que eu escrevi para que essa discussão, o contraponto com o ponto de vista do personagem viesse para dentro da estrutura da peça e não ficasse apenas a cargo do espectador”, explica.

A aproximação de Ludmilla Ramalho com “Orlando”, de Virginia Woolf aconteceu por meio de um presente de uma amiga que lhe garantiu: “Esse livro é a sua cara”. Dito e feito: Ludmilla sentiu uma forte identificação com sua própria história. “É um personagem que aos 30 anos se torna mulher e passa a ter conflitos ligados a gênero. Eu me identifico como mulher, mas tenho conflitos parecidos com os do personagem”, pontua.

A partir da primeira seleção de trechos da obra, com seus parceiros de trabalho, a artista foi atrás de outras dramaturgias que não fossem texto apenas: imagens, figurino, objetos, luz, espaço, movimentação e música. Ao invés de tentar interpretar Orlando, Ludmilla buscou diversas vozes para compor seu solo. “O espetáculo foi pensada em quatro vozes: a voz da Virginia Woolf, autora; a atriz em crise com o fazer; a Ludmilla, com sua memórias e histórias e a voz do personagem Orlando”, explica Ludmilla.

Em “A Obscena Senhora H”, a atriz Luciana Veloso dá corpo à obra de Hilda Hilst. Em uma transposição, considerada por ela desafiadora, a atriz passeia entre a virulência carnal e o lirismo da autora. “Temos entendido, a cada encontro com o público, a força do texto e sua relação de simbiose com a cena e a relação de identificação com a escrita de Hilda, falando de nossa própria existência, da finitude e das limitações de um corpo sob a tutela de um Deus todo poderoso”, pontua Luciana. O espetáculo é dirigido e escrito por Juarez Guimarães Dias, que tem longeva relação com a obra de Hilst e também com o que ele chama de “narrativas em cena”. “Tenho uma relação profunda com a criação do texto em prosa na cena, que coloca o ator como veículo das palavras de um autor ou autora, mediando essa relação com a plateia. A literatura em prosa é uma fonte inesgotável de possibilidades de criação teatral, que venho desenvolvendo há muitos anos através de pesquisas e experimentos que batizei de narrativas em cena”, observa Dias.

 

‘Ivan’ é baseada em trecho de ‘Os Irmãos Karamazov’

Em “Ivan”, o diretor Cláudio Dias e os atores Marco Amaral e Gustavo Marquezinni se debruçaram sobre um trecho do clássico “Os Irmãos Karamazov”, de Dostoiévski, para falar sobre os conflitos existenciais apresentados pelo personagem Ivan. O trio optou por adaptar o capítulo “A Alucinação de Ivan”. “É um trecho no qual ele se encontra com o demônio. E a gente descobre que, na verdade, o demônio é ele mesmo. Sua própria consciência”, pontua Dias.

Assim, de forma teatral, o trio buscou lançar luz sobre os conflitos, as convicções e inquietações de Ivan. “As questões reverberam a relação do personagem com o pai e os irmãos, que é bastante conflituosa. E isso o leva a questionar sua fé e a existência de Deus”, observa.

Encenar um trecho de um livro consagrado, denso e extenso como “Os Irmãos Karamazov” não foi tarefa fácil. Entretanto, Dias considera que algumas informações do romance, que foram inseridas na dramaturgia da peça, ajudam o espectador a ter uma compreensão mais complexa da obra. “Considero que existe um clareamento que dá a localização desse personagem ao público. De onde ele vem e para onde ele vai e o que causa esse momento de redemoinho”, pondera.

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