Universal

Um mundo na palma das duas mãos

Hermeto Pascoal revela ter várias composições ainda inéditas e discute a influência das novas tecnologias

Seg, 11/09/17 - 03h00
Disco foi todo gravado em fazenda no interior de São Paulo, no estúdio “Gargolândia” | Foto: GABRIEL QUINTÃO/DIVULGAÇÃO

“Tem muita coisa que deixei de fora. A música é minha religião, minha maneira de pensar. Gravar ou não, nem sempre é o mais importante”. Com estas palavras Hermeto Pascoal deixa uma pulga atrás da orelha daqueles que ansiaram pelas novidades do músico. Se é possível aferir que as criações não param, um novo trabalho após “No Mundo dos Sons” não é assim tão certo. Até porquê o avanço das novas tecnologias e plataformas digitais não exatamente entusiasma Pascoal.

“Tecnologia é como teoria, pode tirar a sua criatividade. Vai de quem souber aproveitar. Antigamente, para escrever um arranjo, você tinha que conhecer cada tonalidade do instrumento, e a música tem que servir para a pessoa tomar gosto por ela, não o contrário. Qualquer um é músico hoje em dia, está cheio de robôs de carne e osso”, critica.

Também a música de sucesso atual não tem despertado o interesse do compositor. “Não sei fazer música para ninguém. É igual comida, para quem quiser comer. Mas tem aí uma indústria que quer obrigar as pessoas a gostarem de enlatados e empurra goela abaixo, até elas se acostumarem”, diagnostica. Sem perder a verve, Pascoal aponta um culpado.

“A partir da década de 70, os Estados Unidos começaram a constituir uma música de papagaio, e o Brasil se tornou um de seus maiores papagaios, aquele que só repete”, detecta. “Cada um escuta a música que quer, agora, quem tem bom gosto sabe o que é papo furado”, provoca.

Mundial. A comparação acima, tendo como foco a nação hoje presidida por Donald Trump, e sua relação cultural com o país do vice alçado à condição de titular da Presidência, Michel Temer, foi o foco do embate entre Pascoal e Caetano Veloso em 2008, quando o entrevistado reagiu à afirmação do baiano de que “a música norte-americana é a mais importante do século XX”. Na ocasião, a resposta do alagoano incluiu definir Veloso como “musiquinho”.

“Comigo é o seguinte, a música é universal, não sei dizer o estilo que toco, são vários, ela não é padronizada nem modista. A música tem que estar livre, à disposição para a mente e o corpo receberem e transmitirem”, observa. “O lado da vaidade é o que pode atrapalhar a expressão. Comer banana é bom, mas você pode muito bem sair experimentando abacate, manga, jaca”, diz.

Embora não seja mais surpresa, o inusitado de instrumentos tecidos a partir de combinações com bacias, molas, panelas, tamancos e sons de animais, como gansos, continua impressionando nas composições recentes de Pascoal, de que são exemplos as vigorosas “Forró da Gota Para Sivuca” e “Entrando Pelos Canos”.

“Todos os grandes músicos, Tom Jobim, Piazzolla, são compositores do mundo, a música que eles fazem é ilimitada, a única diferença é que, na prática, eles não fizeram coisas tão radicas como eu, não foram tão fundo, mas tinham totais condições para isso”, elogia. Para completar, o músico envia um recado, cheio de perspicácia, a terras mineiras. “Toninho Horta, Nivaldo Ornelas, Milton Nascimento, vocês estão todos no meu coração, vamos no boca a boca, funciona mais do que jornalismo”.

CRÉDITO

“No Mundo dos Sons”, disco de Hermeto Pascoal & Grupo Gravadora: Selo Sesc Faixas: 18 (álbum duplo, 9 em cada CD)
Com homenagens a Tom Jobim, Miles Davis, Sivuca, Piazzolla e Pernambuco

 

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