O vetusto Automóvel Clube de Belo Horizonte deixou de lado a pompa e assumiu ares de inferninho na noite de anteontem, com a realização do festival Música Quente, que reuniu as bandas mineiras Young Lights e Câmera, as paulistas Metá Metá e Rakta e a norte-americana Built to Spill, uma das responsáveis por moldar a sonoridade indie rock nos anos 90. Em comum, os cinco grupos têm os acordes faiscantes, ruidosos e energéticos.
Dois palcos foram montados no nobre salão do aristocrático prédio situado na esquina das avenidas Afonso Pena e Álvares Cabral. A programação começou com o Young Lights, que apresentou seu folk turbinado com indie rock no palco menor. A sensação inicial era de estranhamento, pela discrepância entre a solenidade do ambiente e o perfil das bandas e do público presente, formado por jovens de todas as idades (juventude aqui, portanto, entendida como estado de espírito aberto e arejado, com boa disposição para o novo e o diferente).
Os shows se sucederam sem intervalo, e, tão logo o Young Lights encerrou sua apresentação, o Metá Metá começou no outro palco, desfilando sua potência sonora. As composições e os arranjos engendrados por Kiko Dinucci e Thiago França, conduzidos pela exuberante voz de Juçara Marçal, fazem do Metá Metá um dos melhores e mais instigantes grupos do Brasil na atualidade. E a apresentação no Automóvel Clube fez jus a essa condição. Com o fim do catártico show, foi a vez de o Câmera desfilar seu indie rock. A essa altura da noite, o espaço parecia já ter se moldado aos seus ocupantes, com a sisudez da arquitetura e da decoração do local sendo escamoteada pela descontração e pela vibrante iluminação concebida para os dois palcos.
Quarta atração da noite, o Rakta fez uma apresentação explosiva, com seu caldeirão sonoro de pós-punk, industrial, noise rock, psicodelia e elementos afins – um som tão hipnótico, excitante e potente que acabou por tirar o foco do encerramento. O Built to Spill fez um show competente, mas um tanto quanto mais domesticado em relação ao que se viu e ouviu antes. O saldo, ao final, foi mais que positivo. O que ficou foi a impressão de que a Quente, produtora responsável pelo evento – e que, com ele, celebrou cinco anos de atividades –, acertou na mosca ao inflar a experimentação e a transgressão inerentes às bandas escaladas com os ares de nobreza do Automóvel Clube.