Machado de Assis (1839-1908), Euclides da Cunha (1866-1909) e Graciliano Ramos (1892-1953) foram os escritores – como demonstra a historiadora Heloisa Starling no texto “Letrados e República no Brasil” –, que mais imprimiram críticas sobre a política brasileira e suas contradições em seus escritos. Incluído no livro “Dicionário da República: 51 Textos Críticos”, organizado por Heloisa e Lilia Schwarcz, o qual tem lançamento nesta terça (12) no Conservatório de Música da UFMG, dentro do Sempre Um Papo, o ensaio da especialista oferece ao leitor um dos diversos ângulos por meio dos quais o projeto republicano no Brasil pode ser rastreado e discutido. 

“Os três são os que mais explicitamente abordam essa questão da República, e acho que vale investigar de que modo a literatura contemporânea tem lidado com isso. Será que os escritores pararam de se interessar pelo assunto? Desistimos da República? Machado, Euclides e Graciliano enfrentaram isso e eles apontam questões-limite da nossa República, e até ficamos assustados ao lê-los, porque, de certa forma, é como se eles pudessem antever o futuro. No conto ‘A Sereníssima República (conferência do cônego Vargas)”, por exemplo, é impressionante a abordagem em torno da corrupção”, diz Heloisa.

“E, se lermos Graciliano, em ‘Pequena História da República’, iremos encontrá-lo dizendo que a nossa República só tem aparências e que, na verdade, ela seria oca. Já lendo Euclides da Cunha, eu fiquei muito impressionada com o relato de que os sertanejos de Canudos só eram reconhecidos como brasileiros quando morriam”, completa ela.

No ano em que a formação da República brasileira completa 130 anos, nesta sexta-feira, o título propõe  que essa configuração política seja repensada por vários prismas, inclusive mais contemporâneos, ao serem incorporadas ao debate questões ligadas aos efeitos da globalização, às reflexões sobre gênero e  conflitos raciais, além do impacto das redes sociais. “O livro procura, assim, tratar da República de forma ampliada, buscando entender de que forma um regime vai se constituindo em sua longa duração e produzindo tradições. Nós vamos encontrar várias matrizes do republicanismo no Brasil, que não é só francês nem norte-americano. Há também a matriz inglesa e a haitiana”, sublinha Lilia.

Ela ressalta, em seguida, que “Dicionário da República” também traz informações sobre várias experiências republicanas no Brasil, como a República Juliana (em Santa Catarina), e que ainda são pouco conhecidas. Sobre a constatação dessas lacunas, Heloisa observa ainda haver muita confusão em torno do significado do termo “República”, o que reforçou a importância da feitura desse livro.

“O que esse trabalho também tenta discutir é como por uma série de razões, no Brasil, a República virou sinônimo de democracia – o que não é. Nós queremos que as pessoas avaliem o argumento e percebam que uma República tem que ser uma democracia e que uma democracia precisa, inevitavelmente, ser republicana. O princípio da democracia é a igualdade. Então, quanto mais democrática for a República, maior a inclusão das pessoas na condição de cidadãos, e não só de indivíduos”, frisa Heloisa.

Ela completa que o espírito republicano é fundamental no sentido de pressupor um engajamento com o espaço e as discussões coletivas, não se restringindo  ao voto durante as eleições. “Nós precisamos definir o que queremos fazer em conjunto, tendo em vista o nosso próprio bem. O meio ambiente é algo que diz respeito a toda a comunidade? Então, nós precisamos lidar com o tema também de forma coletiva”, afirma Heloisa.

Autores

“Dicionário da República” reúne, assim, 51 textos produzidos tanto por pesquisadores veteranos, como Marilena Chaui, José Murilo de Carvalho e Newton Bignotto, quanto por estudiosos em atividade mais recentemente, a exemplo de Petrônio Domingues, que têm mostrado a possibilidade de outros direcionamentos nesse debate. 

“Ele é autor do primeiro verbete ‘Associações Republicanas dos Homens Pretos’, que é fruto de uma pesquisa sensacional e até então desconhecida. Eu não havia lido nada parecido e acho que muitos historiadores ainda não conhecem”, reforça Heloisa. 

Ela ressalta que o trabalho, com abordagem inédita no país, não se volta apenas à comunidade acadêmica. “O ‘Dicionário da República’ reúne textos feitos por pesquisadores, mas ele traz os conteúdos de forma que possam ser acessados pelo leitor interessado. Esse não é um livro de divulgação de trabalhos científicos, ele busca levar conhecimento para o maior número de pessoas”, diz. 

Serviço

Heloisa Starling e convidados lançam “Dicionário da República: 51 Textos Críticos” no Sempre Um Papo, nesta terça (12), às 19h30, no Conservatório de Música da UFMG (av. Afonso Pena, 1.534). Entrada gratuita.