'O Hacker do Tempo'

Viagem para além do futuro

Em seu novo romance, o escritor mineiro Luís Giffoni mistura as dimensões temporais e traz inúmeras referências

Por Raphael Vidigal
Publicado em 16 de fevereiro de 2019 | 03:00
 
 
Trajetória. Vencedor do Prêmio Jabuti, Luís Giffoni integra a Academia Mineira de Letras desde 2017 Branca Maria de Paula/divulgação

Luís Giffoni, 69, conta que teve “um clique” quando se deparou com “fotografias tiradas há mais de cem anos”. “Imaginei como seriam os flagrantes do futuro”, afirma. O escritor mineiro, nascido em Baependi, estava no Parque do Regente, em Londres, inaugurado em 1835. A parte norte do local faz fronteira com o Zoológico de Londres, o mais antigo do mundo. Dessas relações entre passado, presente e futuro nasceu o embrião do mais recente romance do autor.

“O Hacker do Tempo” (editora Miguilim) brinca com “referências temporais e literárias”, define Giffoni. A trama se passa justamente na capital inglesa, onde três garotas brasileiras passam férias. Hospedadas em uma casa centenária, elas começam a ouvir vozes e barulhos estranhos. Embora a história tenha como cenário uma cidade fora do Brasil, a escolha da naturalidade das protagonistas veio como “uma forma de aproximar o público brasileiro e aumentar a possibilidade de identificação”, explica o escritor.

Trama

Outra personagem central é um coelho inspirado no seu semelhante do romance “Alice no País das Maravilhas” (1865), clássico do escritor britânico Lewis Carroll (1832-1898). “Só que o meu coelho é muito esnobe, afetado e orgulhoso”, compara Giffoni. A postura do animal tem uma razão de ser, que insere novo elemento na narrativa. Na verdade, trata-se de “uma inteligência artificial avançada que exibe dilemas bastante comuns em nossa espécie, o que o faz se sentir mais bem informado do que as pessoas de hoje”, ressalta o autor.

No entanto, esta passa longe de ser a única revelação do romance. Há uma tramoia por trás de tudo, conduzida por um hacker vindo diretamente do ano 2069 e que está apaixonado por uma das garotas. “Os hackers são figuras muito ativas na atualidade. No futuro, também existirão. Em que eles agirão?”, questiona. Para os incautos, Giffoni logo faz um alerta, já que a partir daí o mistério apenas se adensa.

“A aventura começa quando presente, passado e futuro se mesclam e a confusão se instala”, afirma. “Julguei que bagunçar o tempo seria uma boa opção. O futuro é sempre uma hipótese arriscada. Futurologistas estão em geral fadados ao fracasso. Daí resolvi ver o amanhã de uma forma divertida, sem previsões taxativas. Só que nada mudei na natureza humana. Ela permanece”, completa. Aliás, é nadando contra uma corrente que o escritor mantém sua fé no amanhã.

“Enxergo o futuro com bons olhos. O mundo tem melhorado, vivemos mais e melhor, há menos fome, dispomos de mais horas para fazer o que apreciamos, as guerras diminuíram, muitas doenças estão sob controle, conhecemos os confins do sistema solar, bisbilhotamos as galáxias mais distantes, mais pessoas podem ler – embora, no Brasil, ainda estejamos muito atrás no nível educacional em relação ao mundo –, e o número de ditaduras diminuiu”, enumera ele, que coloca na conta da evolução tecnológica esse otimismo.

“Com a internet e as novas mídias, a tendência é melhorar a difusão de boa informação, não das fake news. Tudo isso me leva a crer que os problemas existirão, porém de mais fácil solução”, complementa.

Influências

A presença da matemática retoma a influência de Carrol, já que esta era mais uma das profissões do poeta, fotógrafo, desenhista e reverendo anglicano. Todavia, há outros motes que conduziram Giffoni nesse passeio pelas letras. São os casos, por exemplo, da Teoria da Relatividade do físico Albert Einstein (1879-1955), da peça “Sonho de uma Noite de Verão”, de William Shakespeare (1564-1616), e de lendas urbanas que o entrevistado colheu. Para completar, “uma boa dose de humor”, marca da obra de Giffoni.

“O humor é uma panaceia para a dor do mundo e serve para minorar os momentos que doem demais. A vida tem suas tragédias e tristezas inevitáveis. Mas, em longo prazo, tudo passa”, observa o romancista. Vencedor do Prêmio Jabuti de melhor romance em 2002 por “Adágio para o Silêncio”, Giffoni lembra que já tratou do futuro no livro “Infinito em Pó” (2004) e do passado em “O Pastor das Sombras” (2009).

 

Defesa da fantasia e da imaginação

Luís Giffoni descreve o protagonista de seu novo romance como “um Romeu extemporâneo que tenta criar uma ponte temporal para ficar junto de sua amada”. “Sou um escritor de meu tempo, aliás, não vejo como sair dessa condição. Nossos referenciais e limites nos tolhem”, opina ele, que aponta uma fuga possível. “A imaginação e a fantasia, com a ajuda da razão, tentam romper essa barreira”, avalia.

A defesa dessas qualidades tem para o escritor ainda outro fator. “Sem imaginação e fantasia, em qualquer tempo, as pessoas sucumbem à mesmice e ao tédio. Imaginação e fantasia nos sustentam”, destaca ele, apoiado pela ciência. “Há um dado curioso, oriundo das pesquisas em neurociência: quem ativa a fantasia e a imaginação pensa melhor e mais rápido, além de aumentar suas chances de chegar à velhice em boas condições mentais, sem Alzheimer”, conclui.

“O Hacker do Tempo”, do escritor Luís Giffoni, tem edição da Miguilim e apresenta, em 142 páginas, a história de três brasileiras que se deparam com um coelho (que é, na verdade, uma inteligência artificial), controlado por um hacker. O livro custa R$ 39, e as capas, quando se abrem, ganham a forma de um computador.