O fotógrafo mineiro Marcos Eustachio, 71, guarda como relíquias os textos impressos de Paulo Augusto Gomes, 69, e Ronaldo Brandão (1940-2016) sobre a visita dos renomados cineastas franceses Agnès Varda e Jacques Demy a Ouro Preto, em março de 1969. Afinal, as imagens clicadas por ele ilustraram os textos e, em seguida, marcaram o início de sua trajetória – ainda que breve – como fotógrafo profissional, em uma sucursal da editora Bloch em Belo Horizonte.
De passagem pelo Brasil, em razão do Festival do Rio, os artistas foram ciceroneados na cidade barroca por Eustachio e Gomes durante um dia. No próximo mês, essa viagem vai completar 50 anos, e o fotógrafo rememora essa experiência responsável por abrir portas quando ele tinha 21 anos e cursava engenharia mecânica na PUC Minas. “Foi em função dessa reportagem que eu acabei sendo convidado por Marcos Rocha, que era chefe de redação da sucursal da editora Bloch. Ele me chamou para trabalhar, mas, no primeiro momento, não aceitei porque estava estudando. Mas passaram alguns dias e eu mesmo fui procurá-lo. Depois disso, passei a frequentar a redação”, diz Eustachio.
Toda essa história começou quando Ronaldo Brandão soube da vinda dos diretores ao Brasil e fez contato com Gomes. “Eu, a partir disso, chamei o Marcos porque ele era um fotógrafo muito competente já naquela época. Nós, inclusive, fomos colegas na universidade, e eu gostava do trabalho que ele produzia”, afirma Gomes, que é diretor e crítico de cinema.
Na faculdade, Eustachio, até então fotógrafo amador, havia criado um fotoclube, por meio do qual dava aulas de fotografia para uma turma de iniciantes, nos fins de semana. Quando a oportunidade de registrar a visita de Agnès e Demy a Ouro Preto surgiu, ele não titubeou.
“Meu pai emprestou o carro dele para mim e fomos até o aeroporto buscar os dois. Eu lembro que o cônsul da França tinha um automóvel muito pequeno, um Renault, que não tinha muito espaço para caber todo mundo. Então, eu ofereci carona para Demy, e ele e Paulo viajaram comigo até Ouro Preto”, recorda o fotógrafo.
Enquanto Gomes desfiava comentários sobre preferências cinematográficas com Demy e Agnès, Eustachio ficou mais no encargo de sugerir um roteiro que apresentasse Ouro Preto aos visitantes. “A família da minha mãe é de lá, então eu conheço bem a cidade. Nossa primeira parada foi o Museu da Inconfidência. Depois, fomos à igreja São Francisco de Assis, que tem um trabalho muito bonito de Aleijadinho (1730-1814), e seguimos para a Igreja do Pilar. Depois fomos almoçar em um restaurante que se chama Pilão, e passamos pela Casa dos Contos”, detalha Eustachio.
Comparações
O olhar dos franceses, de acordo com ele, logo traçou paralelos entre Ouro Preto e as cidades portuguesas. “Os dois ficaram encantados pela arquitetura e fizeram muitas observações sobre as semelhanças entre o que encontraram aqui e o que conheciam das cidades já visitadas por eles em Portugal”, completa. Agnès, aparentemente, relata ele, parecia ter algumas informações prévias e foi quem mais manifestou curiosidade pela trajetória do local.
“Ela perguntou bastante sobre o papel de Ouro Preto ao longo da história – por exemplo, a importância da cidade durante o ciclo do ouro em Minas Gerais”, pontua Eustachio. Enquanto Agnès demonstrava abertura para o diálogo, Demy permaneceu em grande parte do tempo fazendo filmagens com sua super-8.
“Os dois tinham temperamentos muito distintos. Agnès Varda foi um amor de pessoa, supergentil e interessada. Já Demy era mais seco, na dele. Eu achei gozado porque o estilo da obra dos dois parecia muito diferente do jeito de cada um”, comenta Eustachio. “Demy é conhecido pelas comédias e musicais, e Agnès, pela relação com a nouvelle vague, algo que nos soa mais sério. Mas, no trato pessoal, nós percebíamos que cada um deles mostrava ser justamente o oposto do tom que, às vezes, absorvíamos de suas obras”, conclui.
Tanto ele quanto Gomes guardam desse encontros imagens, que permanecem como saborosas lembranças. “Eu disse a Agnès que queria fazer um filme e ela foi muito carinhosa, escrevendo sobre isso na dedicatória em uma das fotos dela que guardei para mim”, conta Gomes.