Quando Mano Brown começou a pensar nos entrevistados para o podcast “Mano a Mano”, que estreia nesta quinta-feira (26) no Spotify, o nome de Karol Conká, que acabara de ser eliminada do “BBB 21” com 99,17% dos votos, a maior rejeição do programa no Brasil, foi um dos primeiros que o rapper pensou. Massacrada nas redes sociais, a cantora também não escapou do julgamento das pessoas próximas ao vocalista do Racionais MC’s. “Não consegui muito apoio fora da nossa produção. Naquele momento, as pessoas não queriam ouvir a Karol, agora eu já não sei, mas uma rejeição de 99% me interessa muito. Talvez eu tivesse uma rejeição maior que a dela”, comenta o músico em entrevista virtual para a imprensa.

Apesar de todo o rebuliço em torno da figura de Conká, Mano Brown bateu o pé: ela não só seria uma das entrevistadas da primeira temporada do “Mano a Mano”, como o episódio em que a artista curitibana e Brown falam sobre cancelamento, música e outros assuntos inauguraria o podcast. “Em alguns momentos eu a comparava com a minha mãe, e isso fez o diálogo fluir. Ter uma mulher negra de frente para mim em um momento de total fragilidade foi muito marcante”, diz o compositor. 

Uma das principais vozes do rap nacional, capaz de levantar e reverberar debates políticos, sociais e raciais com o microfone nas mãos, Mano Brown agora adentra a chamada podosfera, mais um ambiente em que ele poderá deixar seu recado, mas, diferentemente do papel de entrevistado que ocupa há décadas, é possível dizer que ele vai mais escutar do que falar. A ideia surgiu ainda no início da pandemia.

Para não pirar, Mano Brown enfiou a cara nos livros. “Vi as pessoas em dificuldade e pensei: ‘não posso chapar com essa ansiedade e falta de perspectiva’”, conta. Brown começou a estudar filosofia, ciência, teologia e assuntos relacionados à diáspora africana pelo mundo. Diz ter descoberto coisas maravilhosas. Em reuniões com amigos, ele não continha o entusiasmo, não parava de falar sobre o que estava lendo. Foi aí que levantaram a bola: por que não fazer um podcast?

“Falei com meu filho Jorge, ele também gostou da ideia, e a Boogie Naipe (produtora que Brown mantém com parceiros) apostou no projeto. Sou um contador de histórias nato, protagonizo, dou exemplo, pego ideia do passado, jogo para o futuro. Isso é do compositor”, ele pontua.

Embora seja um comunicador eloquente que fala com diversas classes sociais e faixas etárias, pegar o microfone para conduzir um podcast não foi tarefa das mais fáceis até mesmo para quem sobe ao palco diante de dezenas de milhares de pessoas, mas sair da zona de conforto também é coerente com a carreira e a trajetória desse paulistano salvo pelo hip-hop.

Mano Brown conta que leu e assistiu a várias entrevistas e tem tentado aprender a cada nova pesquisa. Para quem sempre foi entrevistado, estar do outro lado do microfone traz outra perspectiva: “Ao fazer, a gente entende como é difícil para um jornalista abordar um convidado, tirar dele a verdade. Tirar o que você quer que as pessoas saibam é uma ciência, não é simples”. 

Mesmo na função de apresentador, Mano Brown não vai deixar de se posicionar. Seria ingênuo pensar que ele não emitiria opiniões sobre assuntos que vão do futebol à política, da religião ao racismo. O vocalista do Racionais já foi um tipo que evitava a imprensa a todo custo; de 2010 pra cá, entretanto, ele diz que esse contato com a mídia ficou mais frequente. “Há momentos em que é necessário se posicionar, não tem como se acovardar; em outros você deixa a pessoa falar, não preciso reafirmar coisas óbvias. A coisa que mais tenho necessidade é fazer o que meu coração manda”, frisa. 

O que Brown faz questão de ressaltar é que as pessoas vão descobrir que ele é “o cara mais comum do mundo, mentalidade mediana, filho de uma mulher negra e um cara branco desconhecido, um produto tipicamente brasileiro, filho da escravidão”.  

Convidados

“Mano a Mano” não pretende colocar os holofotes em cima do rapper. Ser previsível também não está no roteiro do podcast. Além de Karol Conká, já estão confirmados episódios com o pastor Henrique Vieira, o médico Drauzio Varella, o treinador de futebol Vanderlei Luxemburgo e o político Fernando Holiday. Vereador de São Paulo, Holiday é um dos novos nomes da direita brasileira e crítico de pautas caras ao rapper, como as cotas raciais nas universidades.

Desavisado quem acredita que a porta do programa está fechada ao pensamento oposto ao de Brown. “Ele é uma inteligência negra emergente, embora esteja equivocado no lado político dele. Não concordo com o que ele pensa, e ele discorda do que eu penso, mas quero ouvir o que ele tem a dizer, por mais que eu discorde”, pondera o músico.

Bom, para começo de conversa, podcast é como um programa de rádio, ele pode ser sobre um assunto específico ou uma entrevista com algum convidado, a verdade é que existem vários formatos.

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— BOOGIE NAIPE (@BoogieNaipe) August 25, 2021

Quando o assunto é a polarização política no país, que Mano Brown classifica como “guerra filosófica e ideológica”, o rapper não vê outro caminho além do diálogo, mesmo que seja com quem tenha uma visão de mundo completamente diferente da dele. “Essas pessoas estão nas ruas, praticando o que elas pensam. Não é deixando de falar com eles que vão deixar de existir. Vamos ter que dialogar com quem votou no Bolsonaro em 2018, eles estão por aí. Não é uma massa que pode ser desprezada, desconsiderada”, observa.

Se, no fim das contas, “Mano a Mano” reflete muito da postura de Mano Brown diante das questões da sociedade, o compositor espera que o podcast seja útil tanto como entretenimento quanto espaço de reflexão. Brown quer que o projeto tenha sucesso e fala isso sem pudor; quer também apresentar pessoas, pensamentos e fazer a informação circular. O microfone continua na mão, de todo modo. “Se deixar, eu fico falando, mas não é isso que eu quero, não vou ficar direcionando à opinião de quem ouve para isso ou aquilo. Espero que o programa consiga transmitir isso: liberdade. As pessoas vão ouvir, absorver e filtrar”. 

“Mano a Mano”

Ao todo, o podcast de Mano Brown, produção original do Spotify e que conta com uma equipe formada majoritariamente por pessoas negras, terá 16 episódios e irá ao ar sempre às quintas-feiras, com debates sobre música, esporte, política, religião, sociedade e cultura, entre outras pautas.