Entrevista

Maria Casadevall sobre não ter medo de expor o que pensa: 'Mais fortalecida'

Protagonista de “Ilha de Ferro e “Coisa Mais Linda, atriz fala sobre interpretar mulheres fortes e determinadas e sobre lutas sociais

Por Renato Lombardi
Publicado em 20 de agosto de 2021 | 05:00
 
 
Em 'Ilha de Ferro', Maria Casadevall é a engenheira Júlia Raquel Cunha/Globo

Foi em 2011 que Maria Casadevall estreou na televisão. Desde então, ela deu vida a personagens como Tininha, na série “Lara com Z” (Globo, 2011); Patrícia, na novela “Amor à Vida” (Globo, 2013); Lili, no seriado “Lili, a Ex” (GNT, 2014-2016); e Margot, na novela “I Love Paraisópolis” (Globo, 2015). Em 2018, o streaming também começou a ganhar espaço no currículo da atriz paulistana, que protagoniza as séries “Coisa Mais Linda”, produção da Netflix aclamada, inclusive, pela mídia internacional, e “Ilha de Ferro”, sucesso de audiência no Globoplay, que estreou na TV aberta neste mês – o último episódio da primeira temporada vai ao ar nesta sexta-feira (20), na Globo, depois do “Globo Repórter”. 

As duas produções são os trabalhos mais recentes de Maria Casadevall, e em ambos a atriz, hoje com 34 anos, interpreta mulheres fortes e determinadas. Em “Ilha de Ferro” (cujas duas temporadas estão no Globoplay), ela dá vida a Júlia, uma “engenheira gabaritada, que, para ser gerente de plataforma em sua primeira experiência offshore, requer uma responsabilidade que ela está totalmente apta a assumir. Porém, por ser uma mulher inserida nesse contexto masculinizado, além de todos os desafios profissionais, é obrigada a lidar cotidianamente com o machismo instituído nesse meio para garantir o espaço de atuação que lhe é de direito”, define Maria. 

 

Já em “Coisa Mais Linda”, que também tem duas temporadas e está na Netflix, ela é Maria Luiza Carone Furtado, a Malu, que, após se mudar para o Rio de Janeiro, descobre que foi roubada e abandonada pelo marido. A trama, que se passa entre as décadas de 1950 e 1960, mostra a ascensão da bossa nova e o empoderamento feminino na época. Malu, ao lado de Adélia (Pathy Dejesus), rompem os padrões da época e abrem um clube de bossa nova na Cidade Maravilhosa e dão a  volta por cima. A atitude delas não é bem vista pela sociedade, mas, mesmo assim, as duas seguem firmes em busca da realização pessoal e profissional, apesar de todas as dificuldades que encontram pelo caminho. 

 

Embora as tramas de “Ilha de Ferro” e de “Coisa Mais Linda” sejam ambientadas em tempos diferentes, Maria Casadevall destaca a importância das histórias de Júlia e de Malu para “fortalecer narrativas que se propõem a estar na contramão de toda ideologia de submissão e objetificação da mulher”. “Apesar de os tempos serem diferentes e reconhecendo conquistas importantes sobretudo nas áreas jurídica e institucional, como o direito ao voto e ao divórcio, e na importante luta pela criação da Lei Maria da Penha, que reconhece e penaliza a violência contra a mulher, enfrentamos preconceitos e violências de gênero em larga escala incentivadas por comportamentos sociais ainda muito enraizados e que definem grande parte do comportamento machista na maioria das relações pessoais e profissionais ainda hoje”, avaliou a atriz.  

Maria conta que vê semelhanças entre ela e as duas personagens. “Somos mulheres profundamente orientadas pelas nossas intuições e pelo nosso senso de ética”, afirmou. Entretanto, ela revelou um desafio que foi dar vida à protagonista de “Ilha de Ferro”. “Meu maior desafio foi lidar com a personalidade altiva e destemida da Júlia, preservando sua sensibilidade, sagacidade e simplicidade sem que ela perdesse o carisma nem o senso de humor”, disse.  

Novas possibilidades 

Maria Casadevall, que também tem trabalhos no teatro e no cinema, vê com entusiasmo a chegada das plataformas de streaming e a contribuição desses serviços para o setor audiovisual no país. “Traz uma Importância na diversidade das narrativas e na multiplicação das oportunidades de trabalho para todas e todos que trabalham neste meio, na frente e atrás das câmeras”, defende a atriz. 

A possibilidade de potencializar as produções nacionais e exibi-las em outros países é mais um ponto positivo ressaltado por Maria. Um exemplo que ela mesma vivenciou com a série “Coisa Mais Linda”, disponibilizada pela Netflix em todos os países em que a plataforma está presente. A produção, que fez muito sucesso por aqui, também foi aclamada pela crítica especializada da França, da Inglaterra, da Argentina e do México. 

“É muito gratificante ver o trabalho de toda uma equipe de trabalhadores e trabalhadoras do nosso audiovisual nacional chegando a novos lugares e culturas. Acredito que ‘Coisa Mais Linda’ seja um trabalho que abriu e abrirá ainda muitas portas para todos e todas que participaram e estiveram envolvidos nesta experiência que está entre as pioneiras na parceria entre uma produtora nacional (Pródigo Filmes) e uma plataforma de streaming de alcance mundial como a Netflix”, comentou Maria Casadevall.  

Projetos 

Afinal, vai ter a terceira temporada de “Coisa Mais Linda”? Questionada, Maria Casadevall disse que há novos projetos a caminho. “Nada que eu possa compartilhar ainda”, disse ela, sem citar a produção da Netflix. No cinema, entretanto, poderá ser vista, em breve, no longa “A Garota da Moto”.  

O filme, que já foi rodado e ainda não tem data de estreia, é um spin-off da série de mesmo nome exibida pelo SBT em 2016 e 2019. A atriz interpreta Joana, papel que na TV foi de Christiana Ubach. “Joana é uma mulher exausta por estar em uma fuga permanente, de si mesma e dos outros, que está numa situação de trabalho precária para sustentar o filho até que o fato de presenciar uma situação de violência contra outras mulheres desencadeia mais uma série de perseguições em sua vida”, definiu Maria Casadevall. 

‘Todas as nossas escolhas são políticas’ 

Na contramão de muitos artistas, Maria Casadevall nunca se esquivou de se posicionar diante das mais variadas pautas, inclusive sobre política. Postura que a atriz defende e de que fala com orgulho. “Todas as nossas escolhas são políticas, mesmo quando não falamos em nome de partido nenhum, mas nos comportamos com consciência sobre o impacto de nossas escolhas sobre o coletivo, refletindo sobre as estruturas de poder e as relações opressoras que estão tanto no universo do trabalho quanto familiar”, pontuou.  

“Sempre me senti muito mais fortalecida do que criticada por expor minhas opiniões e considero importante a construção dessa visão crítica da estrutura para que possamos debatê-la e pensar coletivamente sobre a superação das velhas, porém atuais, formas de dominação e exploração às quais estamos submetidas/submetidos e habituados”, ressaltou Maria.  

O feminismo também é uma pauta que a atriz defende e debate. Inclusive, o perfil dela no Instagram tem sido usado para divulgar conteúdo de reflexão e de trabalhos de mulheres artistas autônomas. “A espaçA Coletiva nasceu (e ainda está nascendo) de uma reflexão antiga sobre como eu poderia ocupar de forma responsável aquele espaço do Instagram com seu alto potencial de visibilidade. Foram diferentes tentativas feitas nessa direção (formatos e conteúdos) nos últimos anos, até que, com o acontecimento inesperado da pandemia e a reclusão como uma de suas consequências, os espaços virtuais ganharam ainda mais relevância do que já tinham, e me pareceu, mais do que nunca, muito absurda a ideia de ocupar aquele espaço sozinha”, explicou. 

“A partir daí e de um ponto de reflexões em comum entre a atriz Larissa Nunes e eu, passamos a gestar juntas a ideia de que aquele capital simbólico (a visibilidade) de 1,3 milhão de seguidores poderia ser partilhado com um grupo diverso de mulheres, e assim montamos juntas esse grupo. Neste momento somos 21 mulheres (cis e trans), na sua maioria mulheres não brancas, de diferentes origens e realidades, nos organizando em um grupo de WhatsApp, em que fazemos encontros virtuais para troca de ideias e afetos. E todas temos a senha de acesso da página, para que possamos nos apropriar dessa visibilidade da maneira que melhor contribuir para cada uma, sobretudo neste momento difícil que ainda estamos atravessando com a pandemia, e a forma como essa situação impacta o trabalho de mulheres autônomas, artistas, mães, trabalhadoras, empreendedoras etc.”, completou Maria, destacando que a iniciativa está, aos poucos, “ganhando forma de maneira lenta, orgânica, respeitando o tempo de cada uma lá dentro”. 

Reflexos 

O aprofundamento sobre o feminismo trouxe reflexos na vida pessoal e profissional de Maria Casadevall. “Tem trazido cada vez mais consciência política e de classe para minhas escolhas pessoais e profissionais para sempre ponderar o impacto de minhas escolhas sobre o coletivo”, afirmou a atriz. 

No começo do ano, ela tornou público o relacionamento com a percussionista Larissa Mares. Maria afirmou que se inspirou em outras mulheres que assumiram publicamente seus amores por outras mulheres e disse esperar que sua atitude sirva de inspiração para outras pessoas.  

“Essa é a importância de mulheres, sobretudo as que ocupam lugares de visibilidade, em afirmar sua orientação sexual não só para a criação de referências, mas também para somar na permanente construção de memórias e continuidade histórica da existência lésbica em uma sociedade estruturalmente patriarcal e machista”, frisou Maria Casadevall.