O artista certamente é aquele que, ao criar, não só propõe outros modos de compreender o entorno, produzindo linguagens, mas também deixa suas marcas nos outros com os quais dialoga ou convive. É assim um pouco a trajetória do mineiro Miguel Gontijo, conhecido por suas pinturas que se assemelham-se a colagens, por meio das quais, lança um olhar para a profusão de textos e imagens que constituem a cultura contemporânea. 

Em agosto do ano passado, Gontijo publicou seu quinto livro, “Axis Mundi”, e agora ele se tornou personagem do livro “O Outro Sou Eu”, produzido por Juçara Costa, de quem ele é amigo e tem conduzido algumas parcerias. “O que eu mais adoro na arte são os bastidores, os processos criativos. ‘O Outro Sou Eu’ nasce a partir disso, da minha relação com Miguel”, pontua Juçara, que, além de artista plástica, trabalha como atriz. 

Ela recorda que, há sete anos, tinha quase desistido de pintar por motivos pessoais e de saúde. Quem a impulsionou a continuar foi justamente Gontijo. “Eu tenho um problema nas pernas. Precisei operar por conta disso e acabei colocando uma prótese. Na época, falei para o Miguel que não daria conta de fazer uma mostra que tinha sido convidada a produzir. E ele me passou uma ‘bronca’, dizendo que não deveria abandonar o projeto e que, se fosse necessário, eu deveria pintar sentada. Depois disso, pensei: vou fazer, então, uma exposição a partir das escadas”, conta Juçara.

Essas são pinturas tridimensionais, que foram vistas pela primeira vez na mostra “Pernas Cansadas de Decifrar Estrelas, Por Isso Preciso Inventar Escadas”, organizada em Muriaé. De lá pra cá, essas obras ainda não tinham sido expostas em Belo Horizonte, o que ela faz agora, na Galeria de Arte Paulo Campos Guimarães, localizada na Biblioteca Pública Estadual de Minas Gerais, na praça da Liberdade. Junto a esses trabalhos estão reunidas 12 peças de Gontijo, que foram produzidas a partir de volumes antigos da Enciclopédia Britânica. 

“Quase ninguém conhece esse trabalho que eu fiz lá atrás. Eu tinha uma escada que encontrei há cerca de 20 anos numa construção. Eu vi aquele objeto rústico, feito pelos próprios trabalhadores, e resolvi levá-la. Comecei a pintá-la, escrevera alguns textos, sobretudo metáforas. Foi a partir dessa que surgiu toda a série”, conta Juçara. As escadas também serviram como uma espécie de laboratório para a produção do livro “O Outro Sou Eu”, uma vez que nelas a artista já mencionava Gontijo como um referência. 

“Se ali ele já aparecia, no livro eu resolvi tornar Miguel o personagem central. Eu o homenageio, pus o seu nome no trabalho. Eu me identifico muito com Miguel; acho que nós somos aquarianos autênticos”, ri Juçara em seguida.
Embora dedique o título ao pintor, ela ressalta que o livro é uma obra como qualquer outra e busca expandir seu alcance ao público em geral. Produzido integralmente por ela, o título deverá ter em torno de cem exemplares. A afinidade com Gontijo ela também imprimiu nas páginas por meio da aproximação entre as criações dela e a pintura do artista. 

“O livro é algo bastante livre. A Clara Gontijo, que é designer e filha de Miguel, nos ajudou na construção da obra, que ficou muito bonita. Nós inserimos umas folhas transparentes entre as páginas que oferecem uma espécie de transição. As imagens coloridas relacionam-se ao meu trabalho, e as em preto e branco estão ligados aos de Miguel”, explica Juçara.

Objetos. Gontijo conta que os 12 trabalhos seus a serem vistos ao lado das escadas de Juçara são desdobramentos de uma série desenvolvida por ele desde a década de 70. Ele priorizou alguns ainda pouco conhecidos, a exemplo de “Ulisses” e “A Galáxia de Gutenberg”. No primeiro, o artista recortou as páginas do livro, criando formas semelhantes a barcos de papel, enquanto no segundo ele inseriu partes de uma máquina de escrever, tornando essa elemento inerente ao volume da enciclopédia transformada. 

“É como se a máquina desse origem ao livro e o livro refizesse a máquina”, pontua Gontijo. “Há outro trabalho também, chamado ‘É Nóis, Mano’, em que eu incorporo nas páginas a linguagem do pixo e do grafite”, diz. 
Sobre a maneira como abarca uma pluralidade de expressões, Gontijo reforça que isso está no cerne do seu processo artístico.

“O meu propósito é justamente pegar as linguagens que estão por aí, usá-las não importa qual o resultado, porque eu acho que a arte está ligada ao momento de agora e não adianta querer achar uma coisa única, genuína. Isso não vai levar para lugar nenhum. O meu objetivo é pegar tudo e trazer para dentro do que faço. Pode ser que disso surja um trabalho excessivo, mas minha linguagem é essa. Nós vivemos em um mundo também excessivo”, conclui Gontijo.  

Programe-se

Exposição com obras de Juçara Costa e Miguel Gontijo. Até o dia 31, 
na Biblioteca Pública Estadual de Minas Gerais (praça da Liberdade, 21, Funcionários). Visitação:  de 2ª a 6ª, das 8h às 19h; sáb., das 8h às 12h. 
Entrada gratuita.