Nas passarelas

Modelos com deficiência querem quebrar tabu na Costa do Marfim

No último 3, Dia Mundial da Pessoa com Deficiência, desfile da Fundação Mougnan levou às passarelas mulheres que sonham com o fim do preconceito

Por AFP
Publicado em 08 de dezembro de 2021 | 17:01
 
 
De acordo com a fundação, a ideia é levantar fundos para promover as pessoas com deficiência, "forçá-las a sair da casca” Sia Kambou/AFP

Com uma das mãos amputada, em uma cadeira de rodas ou de muletas: cerca de 20 modelos participaram de um desfile de moda em Abidjan para quebrar um tabu e mudar a percepção da sociedade sobre a deficiência. Com um vestido verde e branco, Sylvia, apoiada em muletas, abriu o desfile à beira da piscina de um grande hotel da capital econômica da Costa do Marfim, diante de uma plateia entusiasmada. Com roupa de alfaiataria vermelha, vestido de bogolan - um tecido africano multicolorido - ou túnica azul com motivos estampados, as modelos mostram as últimas criações dos costureiros de Abidjan no evento batizado de "Fortes e belas no plural".

Há seis meses, Grace Bého, que teve o antebraço amputado após um acidente de trânsito, criou a Fundação Mougnan ("Avançar apesar das dificuldades" na língua guéré do oeste da Costa do Marfim), organizadora do desfile em 3 de dezembro, coincidente com o Dia Mundial da Pessoa com Deficiência. “Acredito que as mulheres que vão olhar para nós e que ainda não têm confiança em si mesmas vão assumir e se mostrar ao mundo como são”, diz Grace ao descer do pódio.

Por sua vez, Leslie Antsere, que sofre de neurofibromatose - doença incurável que deforma o rosto -, está feliz por ter participado de "uma manifestação que a impede de ter vergonha de si mesma". “Mesmo na situação de deficiência, podemos melhorar e fazer muitas coisas. Vencer a deficiência é aceitar a nós mesmas. O olhar e a crítica da sociedade não afetarão a nossa personalidade”, a mestre de cerimonias Nelly Aka expressa ao microfone, usando sapatos de salto alto, apesar de uma deficiência nos pés.

Medo de serem julgadas

Embora a Costa do Marfim registre oficialmente 453.000 pessoas com deficiência, ou seja, 2% de sua população, a organização desse evento continua sendo excepcional. “Falar sobre uma pessoa com deficiência no mundo da beleza é tabu na Costa do Marfim”, lamenta Ange Prisca Gnagbo, outra organizadora da noite. “Elas ficam à margem em todos os espetáculos que promovem a beleza”, explica.

E o isolamento das pessoas com deficiência vai além da moda. “Muitas destas mulheres deficientes, muito vulneráveis, rejeitadas e marginalizadas, escondem-se com medo de serem julgadas”, confirma o sociólogo costa-marfinense Yves Ouya.

Abdoudramane Coulibaly, consultor da Organização Mundial da Saúde (OMS) e chefe da ONG "HP Mobility", destaca que a deficiência também enfrenta uma falta de vontade política. “Vamos propor às pessoas saudáveis que andem um dia com muletas e seremos muito mais ouvidos do que com grandes discursos”, diz. “Isso pode eliminar o preconceito contra as pessoas com deficiência”, acrescenta.

Ao apostar sobretudo no desenvolvimento pessoal, liderança e inserção profissional destas mulheres, a associação Mougnan espera quebrar um tabu na Costa do Marfim. “Queríamos fazer algo diferente. Levantar fundos para promover as pessoas com deficiência, forçá-las a sair da casca”, explica Junior Gbamélé, seu vice-presidente. “Tenho o sonho de ver uma pessoa com deficiência prevalecer nas próximas décadas onde as portas se fecharam”, enfatiza Grace Beho.