Nando Reis adora festa, mas não fará nada especial nesta quinta-feira (12), quando completa 60 anos. “Sei lá, vou estar com meus filhos, com a (esposa) Vânia, mas no dia 24 vou reunir alguns amigos. É engraçado e paradoxal: sou festeiro, mas não dou muita festa”, diz o compositor, um dos mais bem-sucedidos da música popular brasileira nas últimas três décadas. E se pode colocar música na celebração pelas seis décadas de vida, Nando não deixa a data passar em branco.
O aniversário chega junto com o relançamento de “12 de Janeiro” (1995), primeiro disco solo do cantor, à época ainda integrante dos Titãs. O álbum, que também sai em uma edição em vinil duplo, teve as canções remixadas e remasterizadas, ganhou faixas bônus no formato voz e violão pinçadas do arquivo do artista e traz as inéditas “Real Grandeza” e “Gerânio”, além da nova versão de “A Fila”, cujo single e videoclipe chegaram às plataformas digitais na semana passada com a participação de Jade Beraldo. Outra inédita, “Rua do Gasômetro” ficará disponível apenas para os assinantes da Mochila do Nando, nome que se deu à plataforma criada para reunir conteúdos exclusivos.
Em conversa com O TEMPO – a entrevista irá ao ar nesta quinta (12), a partir das 15h, no programa “Conecta”, da rádio Super 91,7 FM –, Nando Reis fala das novidades para 2023. Além do retrabalhado “12 de Janeiro”, na lista estão a retomada do show “PittyNando”, com a cantora Pitty, a histórica turnê com os Titãs, que passa por diversas capitais a partir de abril (em Belo Horizonte, no dia 29 de abril), e um novo disco a ser lançado no fim do segundo semestre. “Está quase pronto”, avisa.
Aos 60, Nando Reis segue caminhando entre “o júbilo de poder compor e criar e o pânico de nunca mais conseguir fazer nada”. “E cada vez que faço eu penso: ‘Que bom que consegui, ainda não acabou’. Ainda não acabou, pelo contrário: tem muita coisa por vir”, o músico afirma.
Essas idades redondas costumam trazer reflexões para quem as completa. As pessoas se põem a fazer balanços, pensar no que passou, fazer uma retrospectiva. Você é desse tipo? Como está sendo chegar aos 60?
Eu confesso, embora essas efemérides tenham sua graça, sei também que elas não são diferentes de nenhuma outra data, mas despertam essa celebração e eu gosto de festa, saca? Então vou comemorar os 60 anos, vou fazer um monte de coisa esse ano, isso chama a atenção porque, de certa maneira, ainda mais agora que passamos pela pandemia, quando tudo ficou ameaçado, estar vivo e olhar para a vida ficou mais carregado de sentidos e nos despertou para a importância dessa coisa incerta que é a vida. Chegar aos 60 acaba sendo uma oportunidade de fazer essa reflexão, a vida pode ser também levada de uma maneira tão dinâmica, atribulada e desatenta que você não se dá conta dessas coisas, desse excesso de informação, de demandas. Estou aqui justamente falando dos 60 anos porque isso chama a atenção, é uma oportunidade e vamos aproveitar para falar de coisas legais. Vamos fazer, por exemplo, o reencontro dos Titãs, justamente porque teve a data redonda dos 40 anos do nosso primeiro show. Poderia ser nos 39 ou nos 42, mas vai acabar sendo nos 41, porque vai ser em 2023 e não em 2022, mas tudo se trata um pouco de você aproveitar, olhar para as coisas e fazer essas reflexões. Fico feliz da vida porque, de fato, olho com algum espanto se eu for lembrar o que aconteceu há 40 anos, 45 anos, quando eu tinha 15 e conheci a Vânia, entendeu? São os ajustes que gente tem que fazer permanente, mas que de vez em quando por desatenções você não faz.
Trabalhar novamente o “12 de Janeiro” para celebrar seus 60 anos foi uma decisão natural ou você pensou em outro álbum de sua discografia?
Tenho outros três discos de estúdio, que não saíram (em vinil): o “Sim e Não” (2006), “Drês” (2009) e “Sei” (2012). Eu poderia ter feito com eles também, e farei, mas “12 de Janeiro” tem o lance do meu aniversário, 60 anos, então foi isso, nada mais que isso. Mas, depois que eu escolho, começo a levantar os significados que se ajustam e que podem ser identificados numa análise que agora posso fazer. De fato, é o primeiro disco, tem a data do meu nascimento, e é sempre bom olharmos para isso. Porra, conseguimos, estou vivo, a vida é uma coisa muito imprevisível, que foge ao nosso controle, por mais que a gente tente. É isso, eu gosto de comemorar. Acho que a vida é para ser vivida e curtida. Então a comemoração é uma espécie de curtição e reconhecimento. Tenho família grande, um monte de filhos, tenho esse trabalho que é público, faço shows. Por mais que eu seja um sujeito tímido, apesar de não parecer, e avesso (à muita exposição), às vezes é um incômodo, mas obviamente faz parte do meu trabalho. Por outro lado, também gosto de encontrar e ouvir as pessoas. Gosto de comemorar e vou comemorar pacas esse ano.
Comemorar como? O que vem por aí, além do relançamento de “12 de Janeiro”?
Tem muita coisa legal, a começar por esse relançamento em LP, depois termino a turnê com a Pitty, depois vou fazer os shows com os Titãs, que vão ser incríveis. No final do segundo semestre, vou lançar um disco que estou gravando e está quase pronto. Estou muito animado com ele, mas nem vou falar agora porque não se trata disso.
Essa turnê nacional com os Titãs será histórica…
Sim, um reencontro histórico. Nós nos reunimos em 2012 em um único show e há muitas coisas que aconteceram nesses 10 anos e a forma como faremos esse show me emociona demais. Depois vou lançar um disco, a coisa que eu mais gosto de fazer, com músicas novas, inéditas. Estou muito entusiasmado. Eu sempre vivo na oscilação de ter o júbilo de poder compor e criar, e a crise, o terror e o pânico de nunca mais conseguir fazer. Cada vez que faço eu penso ‘que bom que consegui, ainda não acabou’. Então é isso, ainda não acabou, pelo contrário, tem muita coisa por vir.
Por que você escolheu “A Fila”, parceria sua com o Marcelo Fromer, para ganhar clipe, novos arranjos e uma versão especial?
Tinha que escolher alguma e ela tem esse lugar dileto na minha vida por ser uma das poucas músicas que fizemos só eu e Marcelo. Ela remete, trata em sua letra de uma coisa que eu gosto muito, que é a minha adolescência, aquele verso ‘o pátio empresta o colo para ela’, quando eu estava no colegial e justamente quando conheci Marcelo, Vânia. Essa é a imagem que tenho, saindo da casa dos meus pais, atravessando a rua numa quinta-feira bem cedo para pegar o ônibus e vendo as barracas da feira todas ainda quase intactas, aquilo sempre me fascinou. Ela tem aquele riff que eu acho bonito, o refrão, enfim… Tinha que escolher uma e escolhi essa. Posso falar sobre muitas coisas que me emocionam nela, mas vamos sintetizar assim: só o fato de ser uma música minha e do Marcelo já justificaria ela ser ressaltada.
Desde o lançamento “12 de Janeiro”, lá se vão 28 anos. Fazendo uma retrospectiva, como você acha que o álbum atravessou essas quase três décadas?
Acho que ele envelheceu bem. E afirmo isso considerando todo meu desconforto de ouvir minha própria voz, ouvir meus disco e sempre achar os defeitos, mas furada essa primeira camada e dissolvido esse desconforto, que é um pouco de vaidade, de medo, e o inverso a vaidade é também a vaidade, acho que ele é bem estruturado naquilo que é a minha busca quando penso num disco, na sua unidade e na coesão como conjunto, como obra. Vejo o que as canções representam e como elas atravessaram esses anos e se comunicam comigo. Evidentemente, ouço minha voz, tem uma estridência infantil, às vezes num primeiro momento é insuportável, mas é isso, eu não me suporto às vezes. A minha profissão tem essa contradição de ter que me exibir demais e ao mesmo tempo não ter nenhuma paciência para esse excesso. Eu já me ouço, sou obrigado a me ouvir há 60 anos, não é uma decisão minha, então eu posso tomar a decisão contrária de me privar desse excesso de mim…(risos)
Se privar dos holofotes e ser só o José Fernando Gomes dos Reis...
Sim, me dá um tempo! Vou desligar essa câmera, você está me vendo aqui, assim, mas por baixo estou de chinelo. Por outro lado, isso (de não me suportar) também não é totalmente verdade. Eu olho para mim e há uma gratificação, uma satisfação. E voltando ao disco, ele está ali, arrumadinho, de um modo geral não faz feio. Tem coisas que acho bem sublimes, gosto da letra de “Para Querer”. Quando fiz essa música, eu estava naquele momento encantado pela Marisa (Monte), foi a primeira música que ela mandou a melodia e escrevi a letra. Eu queria mostrar para ela exatamente a figura sui generis que eu sou, o pensamento muito peculiar que eu tenho, e a letra aborda um assunto que muito me agrada. Tem aquele verso misterioso, que ela mesmo não gostava, ‘vacas mas sem vogal’, que parece uma coisa aleatória, mas, para mim, tem um pensamento que é muito contemporâneo, pode ser lido à luz de toda essa reconstrução da questão das identidades de gêneros. O artigo ‘a’, que é o artigo feminino e está em duplicidade na palavra vaca, que é usada de forma pejorativa como ofensa à ideia da mulher, e se você excluir aquilo que é a feminilidade através do ‘a’, tirar o ‘a’ das vacas e ver que vacas são os ‘vacos’, os homens mais ‘vacos’, os homens que chamam as mulheres de vacas é que são os putos. Esse verso que escrevi há 30 anos se tivesse sido escrito hoje eu estava exultante. Para mim, basta isso, olhar e falar ‘sou eu, eu me vejo, isso sobrevive, eu estava certo’, não no sentido de precisar estar certo, mas de que algumas noções são importantes que se mantenham, especialmente noções éticas fundamentais, que podem ser perdidas ao sabor de modismos e muitas vezes não são vistas com a importância e a gravidade que devem ter. Não é uma nobreza minha ter saído em defesa e achar alvitante essa forma desrespeitosa ao se falar das mulheres, mas falar disso de uma forma tão sutil, indireta e poética numa canção que não fala nada disso, é um sinal de lucidez e percepção importante. Fico feliz de olhar e falar “porra, eu sabia disso, eu sempre fui assim”. E nesse momento a gente tem que falar, porque ficamos quatro anos ouvindo o contrário, sendo obrigado a ter que ouvir isso diariamente nos jornais por um escroto que estava com a faixa de presidente, verbalizando uma metade da população insana. As pessoas perderam o senso completo.
Você foi e é um grande crítico do ex-presidente Bolsonaro. Como você viu a atuação da gestão dele na cultura? E com a recriação do Ministério da Cultura e a chegada da Margareth Menezes ao comando da pasta, o que você espera do governo Lula?
Espero que esse governo consiga reestruturar pilares da organização social, de fundamentos que vão desde a cultura aos direitos humanos, ao meio ambiente, que foram violentamente atacados. Eu e minha categoria fomos vilipendiados, violentados, caluniados diariamente com um negócio delirante comandado por um homem abjeto, imoral, sem nenhuma ética, hipócrita, ao mesmo tempo em que assistimos um retrocesso grave em áreas sensíveis e importantíssimas. Direitos humanos, meio ambiente, as condições mínimas econômicas, a barbaridade a que assistimos na condução da pandemia é por si só uma aberração. É um contrassenso no século XXI ter pessoas contrárias à evidências científicas e colocando em risco a vida e a dignidade das pessoas. O fato de Bolsonaro não ter sido reeleito é um alento, acho que mais quatro anos de Bolsonaro seria um desastre. Só de ver o Raoni na rampa e o Lula cercado por aquela representatividade como símbolo diz muito. O Raoni foi ofendido por aquele sujeito indizível que é o Bolsonaro. E é evidente que há muito trabalho pela frente. Eu não sou petista, estou muito longe de achar que é uma salvação. Não há uma polarização, existe uma coisa que não é aceitável. E eu estou, sim, do lado do Lula, votei no Lula, fiz campanha para ele, me pronunciei desde o primeiro momento o'contra Bolsonaro no ‘Ele Não’ e fico feliz da vida de ter sido sempre muito enfático nisso. Tenho certeza de que vai dar um puta trabalho, mas nós vamos conseguir, e digo nós porque é um esforço coletivo.