A belo-horizontina Nina Morena tem consciência de que a poesia não é capaz de salvar o mundo, mas entende que tem o poder de salvar os instantes. "É para isso que a literatura serve: para que cada um crie sua própria beleza, a sua própria forma de ver o mundo sem se pesar demais", avalia ela ela. "No meio de tanta informação, um verso é uma pausa. É aquele momento de se parar para dar atenção ao essencial, que muitas vezes nem se sabe que é o essencial", afirma a moça, que acaba de lançar, pela Quintal Edições, o livro "Mar Sem Fundo". Os primeiros poemas da obra, conta ela, foram escritos ainda no período em que estava fazendo o seu mestrado, em 2016.  "Vivia imersa na escrita acadêmica e sentia uma necessidade grande de escrever para além da pesquisa que desenvolvia. Aliás, o primeiro poema escrito foi 'O Triunfal Pulo da Baleia Solitária', que sinto que expressa bem esse forte conflito que eu vivia, entre a poesia e a pesquisa cientifica", recorda. 

O livro foi sendo construído organicamente de lá para cá, portanto, perpassando alguns anos. No início, diz ela, não havia um fio condutor. "Escrevi o que sentia no momento, (a partir) das coisas que observava. Quando resolvi que era hora de publicar, porém, foi outro processo, de selecionar, de avaliar o que entraria ou não. Ali, contei com a leitura crítica da (escritora) Flávia Péret, que foi essencial. Com um olhar de fora, pude definir melhor a temática e seguir uma mesma lógica: o livro tem um lado muito marítimo, simula os movimentos do mar e da vida", aponta.

"Mar Sem Fundo" se inicia com o poema "Capítulo Um", que, segunda Nina, lembra que tudo depende do ponto de vista. Mas um dos mais recentes é "Rodapé de Jornal", que emergiu quando ela já tinha entendido que queria demonstrar essa movimentação da vida, dos amores, das migrações. "Ele tem várias referências dos acontecimentos do mundo, a chegada do primeiro homem ao espaço, a migração da baleia que diferenciou sua rota, a relação entre espaço, oceano, os extremos. É composto de várias informações para causar essa sensação de que tudo é dinâmico e passageiro", explica. 

Outro momento que ela destaca é "Atlântico Norte-Sul", escrito em inglês, e que despontou após uma viagem que Nina fez, e na qual teve que lidar com a barreira da língua o tempo todo, bem como com a falta de pertencimento. "O lugar não me pertencia, a língua não me pertencia. Mas, ainda assim, é possível se comunicar, se apaixonar, porque não é só na fala que se conquista. Às vezes um olhar, o sentimento que o outro te causa, é também uma forma de conexão. Acho que esse poema traz isso, mesmo não sendo completamente compreendida nas palavras, os sentidos possibilitam a compreensão de algo", elucida. 

Ativismo. No texto de apresentação, na orelha, Nina Morena se declara militante de movimentos como a Marcha Mundial das Mulheres. "Em 2018, fui convidada por uma amiga a conhecer o movimento, emde cara me identifiquei. A iniciativa busca construir uma perspectiva feminista afirmando o direito à autodeterminação e à igualdade como base da nova sociedade que lutamos para construir. Não se trata apenas de lutar pela igualdade de gênero, mas contra a opressão sexista fortemente presente na sociedade patriarcal, racista e misógina na qual estamos inseridas. Vivemos em um país onde mais se mata LGBTQIA+, mulheres negras, indígenas pelo simples fato de serem quem são. Então acho muito urgente falar sobre essas causas, e lutar por uma sociedade igualitária, inclusiva, e que coloca a vida como centro e não o contrário".

Pandemia. Perguntada sobre a pandemia, Nina lembra que não encontra outro adjetivo para classificar o período senão "complicado". "Para todos, né? O motivo pelo qual estamos vivendo isso, e inseridos na política brasileira atual, deixa tudo ainda mais difícil e desafiador. Porque além de termos que lidar com o medo do novo coronavírus, temos que lidar sobretudo com as diversas desigualdades, que, aliás, se acentuam cada vez mais no Brasil. Fome, desemprego, falta de vacina, injustiças. Então, ser brasileiro, no meio de uma pandemia mundial, é complicado. Mas estamos ai, resistindo, na medida do possível", diz ela, acrescentando que, no curso dessa quarentena, em alguns momentos se sente mais inspirada para escrever, em outros, não.  "Estou vivendo nesse paradoxo da escrita, entre ter picos de criatividade e outros de bloqueio total", assume. 

Mas, mesmo não escrevendo tanto, ela ressalta que anda lendo bastante - principalmente, poesia. "Gabriel Garcia Márquez escreveu certa vez que, às vezes, é preciso abraçar com as palavras. A poesia vem muito forte nesse sentido. De causar uma leveza, de nos despertar para os detalhes e desligar um pouco das catástrofes e, assim, nos abraçar".

Nina arremata: "No meio de tanta informação, um verso é uma pausa. É aquele momento de parar para dar atenção ao essencial, que, aliás, muitas vezes a gente nem sabe que é o essencial.  Para mim a poesia é minha forma de expressar o que sinto, de juntar em palavras a imensidão do mundo, com a correria de tudo a gente nem para para ver. E ainda assim, a poesia nunca parou de acontecer. Ela resiste ao tempo, e no fundo nos faz resistir também. Porque a poesia, mesmo quando triste, é bela".

Serviço

“Mar Sem Fundo” (Quintal Edições)

Valor: R$ 30

Aquisição: http://loja.quintaledicoes.com.br/