Você constrói uma trajetória de aproximação entre o teatro, a performance e outras diversas áreas. Quais são as referências que te norteiam?
Vou voltar à questão dos materiais. Trabalho basicamente com três materiais: a performance, a escrita e o ensino. São três vértices de um triângulo que de tão dinâmico acaba por se transformar em círculo. Ou melhor, transformar-se numa esfera compacta e vibrante. O que quero dizer com isso? Que a performance que realizo nasce na pesquisa que desenvolvo para lecionar um curso ou no momento mesmo da escrita. Que a escrita se deriva da performance realizada ou do curso lecionado. Que o diálogo com os orientandos e demais estudantes gera novas questões que me levam para a rua ou para a mesa de trabalho. E daí, inevitavelmente, me trazem de volta para a biblioteca e para a sala de aula. A sala de aula é um dos espaços performativos mais potentes que conheço. Um grupo de pessoas encontra-se em torno de um interesse comum e colabora para elaborá-lo; ali somos todos sabedores e ignorantes, todos interessados em encontro e troca num ambiente de pesquisa e experimentação com continuidade. Daí que te digo: não há nenhuma diferença entre a artista e a professora porque o trabalho é um só. Uma vez um estudante na UFRJ me perguntou qual era a minha visão pedagógica. Eu respondi que o trabalho em sala de aula era uma prática artística – que não me interessava falar de arte sem ser fazendo arte. Compreendo e concebo as aulas e workshops que leciono como parte do meu trabalho artístico.
Você vem a Belo Horizonte para mediar um encontro de grupos de teatro. Onde entra a performance no trabalho desses quatro grupos do Acto 3!?
Tenho o maior interesse no trabalho desses grupos. Tive a oportunidade de conhecer alguns deles no Rumos Teatro, promovido pelo Itaú Cultural em São Paulo, e quero seguir conhecendo muito mais. Lá eu era responsável pela mediação dos debates entre os participantes. O trabalho que a Brasileira realizou com o Espanca!, por exemplo, me interessou muitíssimo pela sofisticação dramatúrgica e pelo tipo de sensibilidade – uma combinação de humor, delicadeza e força. O projeto chamava-se “Troca de Pacotes” e os dois grupos enviaram diversos materiais por correio, um para o outro, que serviram como mote para a construção dramatúrgica (a barraca de camping é inesquecível!). A performance entra no trabalho desses grupos como referência teórica, histórica e estética para a criação de cenas onde curto-circuitos representacionais são ativados; cenas compostas por uma geração de artistas que reconhecem e exploram a indissocialidade entre fazer estético e fazer político; grupos interessados em experimentação psicofísica, em hibridação de gêneros, em cena ampliada. Como a performance indica, experimentar implica na suspensão de a prioris (comportamentais, institucionais, mercadológicos, ontológicos). Como a performance sugere, todo lugar é pensável e possível, toda duração é pensável e possível, todo tema é pensável e possível, todos os tipos, procedências e quantidades de envolvidos, todas as maneiras de produção são já material de trabalho.
Você acha que o teatro tem flertado mais com a interdisciplinaridade?
Não acho, tenho certeza que estamos articulando mais as diversas disciplinas e indisciplinando fronteiras rígidas. Mas vale dizer que o teatro é por natureza interdisciplinar. O teatro funciona em rede desde sempre. É tecnologia de ponta.
A performance tem um caráter do “aqui e agora” muito forte e se influencia muito pelas relações sociais que cercam o performer. Como você vê isso no teatro? Você acha que a produção contemporânea tem bebido desses preceitos performáticos?
Como sugere a teórica Josette Féral, a aproximação com a performance tem sido determinante e vem marcando a cena teatral contemporânea de maneira contundente a ponto da autora sugerir o termo “teatro performativo” para nomear o movimento. Termo este que propõe em contrapartida ao difundido “teatro pós-dramático”, cunhado por Hans-Thies Lehmann, pois enfatiza que a noção de performatividade está no centro de seu funcionamento. Ela diz: “Se há uma arte que se beneficiou das aquisições da performance, é certamente o teatro, dado que ele adotou alguns dos elementos fundadores que abalaram o gênero”. Proponho então algumas características desta cena performativa que, como você diz, se dá no aqui-agora das relações pessoais, locais e sociais: o desmonte de mecânicas clássicas do espetáculo; a desconstrução da representação e da ficção; a reavaliação do ofício do ator e a valorização de sua contribuição dramatúrgica; a investigação de dramaturgias pessoais (até biográficas); a investigação do corpo e da corporeidade como material dramatúrgico; a aderência ao concreto do espaço social e físico onde acontece; a utilização de procedimentos e materiais habitualmente encontrados em outras linguagens artísticas.