“Que Tal um Samba” com ninguém mais, ninguém menos do que Chico Buarque de Holanda? Pois a partir desta quinta (6) até domingo (9), cerca de 6.280 privilegiados, que pagaram ingressos entre R$ 190 e R$ 700 (incluindo taxas do Sympla), vão poder curtir a mais nova turnê do cantor e compositor carioca em Belo Horizonte.

Após cinco anos, o artista, de 78, está de volta aos palcos e se apresenta pela primeira vez no Minascentro (as datas para o Palácio das Artes, onde Chico tradicionalmente faz shows na capital mineira, já estavam reservadas). E um detalhe: todos os ingressos em BH para a turnê, batizada justamente de “Que Tal um Samba?” – single lançado em junho pela Biscoito Fino, com participação especial de Hamilton de Holanda e única canção inédita do setlist –, esgotaram-se em poucas horas assim que foram colocados à venda. Mas por “que será que será que” Chico Buarque causa tanto fascínio por onde passa? 

 

“Acredito que a grandeza do artista, o grande compositor que ele é, e sua importância na música são os principais motivos. Agora, o fato de ele se apresentar não tão assiduamente, essa presença bissexta nos palcos, também concorre para esse frisson”, acredita Luiz Claudio Ramos, maestro, violonista e diretor musical do show e que acompanha o autor de “O Meu Guri” há quase 50 anos.  

Já a cantora Mônica Salmaso, artista convidada da turnê que teve início em João Pessoa (PB), no começo de setembro, e já passou por Natal (RN) e Curitiba (PR), acredita que esse interesse tão grande por Chico é porque “sua obra representa o que nós somos de melhor”. “Porque, através dela, das referências que a formaram e da inteligência e beleza que ela possui, somos o melhor país do mundo. Então estar diante do Chico, cantar suas músicas junto com ele, no palco ou na plateia, é um remédio importante. Porque Chico nos faz melhores. Não existe deixar por menos, facilitar, na sua música. Existe falar por todos, de todos, das belezas e dos males, falando bonito, fazendo bonito. Chico nos lembra o que somos e o que podemos ser. Agora, então, isso é experiência necessária!”, opina a artista paulista, que se diz privilegiada por dividir o palco com aquele que é considerado um dos maiores artistas da música popular brasileira. 

Aliás – já dando spoiler –, assim que abrem as cortinas, é Mônica quem surge no palco, que tem cenário de Daniela Thomas e iluminação de Maneco Quinderé, e de cara interpreta sozinha cinco canções buarqueanas: “Todos Juntos (Enriquez/Bardotti - Versão: Chico Buarque), “Mar e Lua” (Chico Buarque), “Passaredo” (Francis Hime/Chico Buarque), “Bom Tempo” (Chico Buarque) e “Beatriz” (Edu Lobo/Chico Buarque). “Nem em meus sonhos mais abusados ou lisérgicos eu poderia supor um convite desses. Ele é pra mim um presente em vários níveis. Primeiro, é uma espécie de confirmação de que eu trilhei até aqui uma estrada feita com seriedade, escolhas coerentes, verdade artística – coisas que eu sempre busquei e que se reforçam com a admiração dele pelo meu trabalho. É mais um presente neste sentido, como gravar um CD com o Dori Caymmi, fazer shows com Guinga e Edu Lobo. São meus heróis e referências reconhecendo meu trabalho. Isso é gigantesco, e eu recebo com enorme gratidão e orgulho. Ao mesmo tempo e curiosamente, é calmo e familiar para mim estar nesse espetáculo, cantar a obra do Chico. Cresci e me formei emocionalmente com ela. É a minha casa”, reflete a cantora. 

 

Alegria visível 

Para Luiz Claudio Ramos, que desde 1994 é o responsável pelos arranjos e produção musical dos discos e shows do cantor e que teve que criar alguns arranjos para o tom de voz de Mônica Salmaso, são escancarados o contentamento da cantora e o entrosamento dela não só com Chico, mas como toda a banda, formada tanto por Ramos (arranjos, guitarra e violão) quanto por João Rebouças (piano), Jorge Helder (baixo acústico e elétrico, além do bandolim em ‘Que Tal um Samba?’),  Jurim Moreira (bateria), Chico Batera (percussão), Bia Paes Leme (teclados e vocais) e Marcelo Bernardes (sopros).

“Eu acho que ela combina muito com o repertório do Chico, tanto que já gravou várias músicas dele. Deve estar sendo uma grande emoção para a Mônica, assim como para todos nós. E a alegria dela no palco é visível, contagiante”, celebra o maestro, que, na conversa com o Magazine, entre um detalhe e outro da turnê, falou sobre política e futebol, aliás, também duas paixões de Chico Buarque. “Estou preocupado com a situação do Brasil. Nem nos tempos da ditadura eu vi um clima tão ruim no país. E também estou preocupado com o meu Vasco. Vamos ver se ele vai finalmente voltar para a Primeira Divisão”, expõe Ramos. Sobre a parceria com Chico, que teve início em 1973, quando ele gravou o violão para a música “Cala a Boca, Bárbara”, da peça “Calabar”, o maestro acredita que essa colaboração mútua já dura quase meio século porque os dois têm uma visão de música bastante parecida.

E, para quem pensa que, mesmo após tanto tempo, não há um friozinho na barriga em estar no palco mais uma vez ao lado de Chico Buarque, Luiz Claudio Ramos comenta: “Apesar de a banda já estar junta há muito tempo, sempre é diferente e sempre existe uma grande expectativa. E dessa vez não teremos uma turnê baseada num disco só, já que de lançamento só teve o ‘Que Tal um Samba?’. O repertório percorre boa parte da trajetória do Chico, com canções de várias épocas. Acho que o maior desafio de todos é sempre a responsabilidade de fazer um show com o Chico, que é um artista de uma grande magnitude”. 

Já para Mônica Salmaso, o maior desafio foi começar o trabalho e sentir onde ela poderia somar e como não atrapalhar. “Foi dominar a minha ansiedade e meu nervoso. Agora o desafio é o da ‘estrada’. O de cada noite ser única. É a ‘vida de circo’. E é muito emocionante estar de volta a essa vida, meu ofício, vivendo essa oportunidade tão honrosa, depois de tudo o que passamos com a pandemia”, festeja. O repertório da turnê traz 33 músicas (sendo algumas interpretadas só por Mônica, algumas só com Chico e outras com os dois). Entre as canções estão clássicos como “João e Maria” (Sivuca e Chico Buarque), “Futuros Amantes”, “Samba do Grande Amor” e “Noite dos Mascarados” (Chico Buarque), “Sinhá” (parceria com o mineiro João Bosco) e “Imagina” e “Sabiá” (parceria com Tom Jobim). 

 

Pingue-pongue com Mônica Salmaso 

1 - O que passa na sua cabeça ao estar no palco ao lado de um ídolo como o Chico Buarque? 

Outro dia eu estava na coxia, assistindo a um dos momentos em que ele canta sozinho, e pensei assim “parece que eu sou a lente de uma câmera que está filmando um especial do Chico, e eu estou no sofá da minha sala assistindo”, como fiz a vida toda. Mas aí eu entro pra cantar com ele, olho para o chão e vejo os meus pés! “Caramba, sou eu aqui”. Isso passou realmente pela minha cabeça, e, em seguida, eu senti uma enorme gratidão e muito orgulho. Esses dias eu assisti a uma série linda, chamada “The Last Movie Stars”, que conta a história do casal Paul Newman e Joanne Woodward. Há uma cena em que aparece a expressão “A sorte é uma arte”. Gostei imensamente disso, nos coloca participantes em acontecimentos de sorte. Acho bonito e justo eu conseguir aceitar a sorte de viver este momento por merecimento de uma estrada de trabalho construída há 27 anos e viver a arte de fazer por merecê-la da melhor forma possível. 

2 - Você ajudou na elaboração do setlist? 

Quando a ideia da turnê ainda era embrionária, trocamos listas de músicas que poderiam ser possibilidades de duetos. Canções que já tinham esse formato e canções cujos tons, dele e meu, fossem compatíveis. O Chico me disse para escolher o que eu queria fazer como abertura com total liberdade e foi gentil a ponto de dizer brincando “só me diga o que vai querer pra eu não escolher repetido” (risos). Eu busquei escolher canções abrangentes, que contam uma história da importância da obra dele para mim em um bloco que, da melhor forma, mostrasse meu trabalho e pudesse preparar o palco para a sua chegada. Submeti minhas ideias a ele, ele gostou e, passado um tempo, chegou com a sequência a partir de sua entrada toda já desenhada. E é um roteiro irretocável, amarrado por temas fundamentais. Está tudo o que precisa ser dito e sentido dentro dele. O Brasil inteiro, nossos afetos, nossos problemas, nossas dores recentes e antigas, denúncias feitas através da beleza e da poesia. Tudo com inteligência, qualidade e extrema beleza.   

3 - A turnê já passou por três cidades (João Pessoa, Natal e Curitiba). Que balanço você faz até agora? 

Esse show teve sete semanas de preparação, mas, como se diz, “treino é treino, jogo é jogo” (risos), e só na estrada a gente começa a ver o que é o espetáculo, o que funciona, o fluxo, as reações etc. Embora saiba que cada show é único, cada plateia é única e a gente sempre pode se surpreender, já sentimos agora como é o show. E ele é uma espécie de volta pra casa. Ele é a comunhão da nossa melhor identidade. Foi o que sentimos fazendo e o que recebemos do público nas noites feitas até agora. 

4 - Teve algum momento, seja nos shows em João Pessoa, Natal e Curitiba, que te marcou mais? 

Em João Pessoa eu estava completamente nervosa (risos). Um medo de errar e um maior ainda sobre como seria recebida ao abrir o espetáculo. É muita responsabilidade e temia a impaciência pela chegada do Chico. Mas o que aconteceu foi lindo demais. Foi amoroso e caloroso. Eu estou ali em comunhão com a plateia pelo nosso amor por um Brasil necessário e pela música do Chico. Queremos, todos ali, nos curar das dores, nos identificar, voltar pra casa. E foi isso que senti. 

5 - E como está a expectativa para as apresentações em BH? 

Estamos com as melhores expectativas. É histórica a recepção do público de Belo Horizonte aos shows do Chico, das mais calorosas! Eu amo cantar aí! Amo e sinto frio na barriga de cantar “Beatriz” na “casa” do Milton Nascimento e que também é a casa de tantos amigos que tenho, amo a cultura e a arte que pulsa, os grupos Corpo, Giramundo, Galpão, Uakti (saudades imensas!). Gerações de artistas da música consagrados e novos ultratalentosos que produzem e colaboram uns com os outros intensamente (Sérgio Santos, Sérgio Pererê, Davi Fonseca, Rafael Martini, Luiza Mitre, Irene Bertachini, Alexandre Andres, Leandro César... tantos nomes). Amo a criatividade lúdica e brasileira, tradicional e moderna que existe em trabalhos com os da Sonia Pinto (meu figurino desta turnê), do Ronaldo Fraga (artista mágico), Virgínia Barros, Zótika, Auá. Os chás “passarinhantes” e cantantes da Guyra Tê. O Mercado Central (parada obrigatória) e o Mercado Novo (respiro de ocupação artística)... Assim é Belo Horizonte pra mim já há anos.

 

Setlist TURNÊ ‘QUE TAL UM SAMBA?’

MÔNICA SALMASO

1) TODOS JUNTOS (Enriquez/Bardotti - Versão: Chico Buarque)

2) MAR E LUA (Chico Buarque)

3) PASSAREDO (Francis Hime/Chico Buarque)

4) BOM TEMPO (Chico Buarque)

5) BEATRIZ (Edu Lobo/Chico Buarque)

6) PARATODOS (Chico Buarque)

CHICO BUARQUE E MÔNICA SALMASO

7) O VELHO FRANCISCO (Chico Buarque)

8) SINHÁ (João Bosco/Chico Buarque)

9) SEM FANTASIA (Chico Buarque)

10) BISCATE (Chico Buarque)

11) IMAGINA (Tom Jobim/Chico Buarque)

 

CHICO BUARQUE

12) CHORO BANDIDO (Edu Lobo/Chico Buarque)

13) DESALENTO (Chico Buarque/Vinícius de Moraes)

14) SOB MEDIDA (Chico Buarque)

15) NINA (Chico Buarque)

16) BLUES PRA BIA (Chico Buarque)

17) SAMBA DO GRANDE AMOR (Chico Buarque)

18) INJURIADO (Chico Buarque) - COM MÔNICA SALMASO 

19) TIPO UM BAIÃO (Chico Buarque)

20) AS MINHAS MENINAS (Chico Buarque)

21) UMA CANÇÃO DESNATURADA (Chico Buarque) - COM MÔNICA SALMASO

22) MORRO DOIS IRMÃOS (Chico Buarque)

23) FUTUROS AMANTES (Chico Buarque)

24) ASSENTAMENTO (Chico Buarque)

25) BANCARROTA BLUES (Edu Lobo/Chico Buarque)

26) TUA CANTIGA (Cristóvão Bastos / Chico Buarque)

27) SABIÁ (Tom Jobim/Chico Buarque)

28) O MEU GURI (Chico Buarque)

29) AS CARAVANAS (Chico Buarque), com citação de DEUS LHE PAGUE (Chico Buarque)

30) QUE TAL UM SAMBA? (Chico Buarque) - COM MÔNICA SALMASO

BIS

CHICO BUARQUE E MÔNICA SALMASO

31) MANINHA (Chico Buarque)

32) NOITE DOS MASCARADOS (Chico Buarque)

33) JOÃO E MARIA (Sivuca/Chico Buarque)