Os personagens do diretor Alexander Payne são solitários ou pessoas que acabam sendo uma voz destoante em seu meio. O tom geralmente é agridoce, com grandes solavancos e pequenos prazeres, como se buscasse reproduzir a vida cotidiana. Em cartaz a partir de hoje nos cinemas, “Os Rejeitados” segue essa toada.

Mais uma vez o passado do protagonista vem à tona de forma contundente, e ele terá que tomar uma decisão que mudará a vida para sempre, após muito embate consigo mesmo e uma longa jornada – muitas vezes, entendida de maneira literal, como em “Sideways – Entre Umas e Outras” (2004) e “Nebraska” (2013).

É nessa encruzilhada que o professor Paul é levado gradualmente pelo roteiro de David Hemingson. O trabalho de costura da narrativa é sempre um ponto nevrálgico dos filmes de Payne e, não à toa, resulta em indicações para o Oscar da categoria, evidenciando várias camadas que vão da emoção mais simples a escolhas mais complexas.

É preciso dizer que o final nem sempre é que o esperamos, fazendo jus a uma visão mais realista dos acontecimentos, embora o cineasta demonstre ser um interessado nas relações humanas, que nos são apresentadas de maneira única e, exatamente por isso, se tornam bastante especiais.

É o que acontece com o professor Paul – por sinal, o mesmo nome do personagem de Matt Damon em “Pequena Grande Vida”. Tudo leva a crer que teremos uma espécie de “Clube dos Cinco” passado no início da década de 1970, com alguns poucos e estranhos discentes obrigados a assistir à aula enquanto todos aproveitam o feriado de Natal.

Interpretado por Paul Giamatti (que trabalhou com o diretor em “Sideways”), Paul é aquele professor que não faz nenhum movimento para ser flexível ou querido na escola, amargo e muito exigente. E é ele que recebe a ingrata missão de ficar com alguns alunos que não têm para onde ir durante as festividades natalinas.

O cenário lembra “O Iluminado”, de Stanley Kubrick, ao evidenciar um grande colégio coberto de neve, com várias salas vazias e uma forte sensação de abandono e solidão. Mas não há qualquer elemento de terror em “Os Rejeitados”. A ênfase é mesmo naquilo que o título explicita, ligando o professor aos alunos.

A relação principal se estabelece entre Paul e Angus, preterido pela mãe em favor do novo namorado, enquanto o pai está internado numa clínica psiquiátrica. Como em vários filmes que levam duas pessoas que não se gostam à convivência forçada, a rejeição recíproca vai dando lugar à comunhão de olhares e sentimentos.

O elo vem da percepção de que eles não têm família ou nenhuma outra pessoa com quem possam compartilhar dores profundas e doces alegrias – Mary, a senhora que trabalha como cozinheira da escola, surge como um terceiro elemento, mas é mais um provocador das situações, contrapondo-se ao elitismo da escola.

É característica da filmografia de Payne a aparição de um fato exterior para forçar a aproximação de familiares (pais e filhos em “Os Descendentes” e “Nebraska”), ou alguém que acaba cumprindo esse papel na ausência de um ente de sangue, na tentativa – importante frisar essa palavra – de superar velhas feridas.

A resolução “felizes para sempre” não interessa ao cinema do realizador, que dá mais valor aos raros e valiosos momentos de trocas de compreensão e identidade, como se pudessem se colocar na posição do outro – uma situação plenamente compartilhada com o público, marcando o tom agridoce dos filmes de Payne.

Nesse sentido, conta muito o trabalho do elenco para nos envolver com o mais simples aceno de mea-culpa. Virginia Madsen e Thomas Haden Church foram indicados ao Oscar por “Sideways”; Jack Nicholson e Kathy Bates, por “As Confissões de Schmidt”; George Clooney, por “Os Descendentes”; e Bruce Dern e Junia Squibb, por “Nebraska”.

E, muito provavelmente, Giamatti e Da’Vine Joy Randolph (a Mary), premiados no Globo de Ouro como Melhor Ator e Atriz Coadjuvante em Comédia/Musical, respectivamente, deverão ser lembrados no Oscar deste ano. Assim como a direção de Payne (já nomeado outras três vezes), mas que, desta vez, terá uma concorrência mais acirrada, com Bradley Cooper, Celine Song, Christopher Nolan, Greta Gerwig, Justine Triet, Martin Scorsese e Yorgos Lanthimos no páreo.