Lata batendo com lata e o ranger incômodo de uma escavadeira. Os sons foram incorporados por Tim Rescala, 57, na trilha sonora de “Boca de Lixo” (1992), dirigido pelo cineasta Eduardo Coutinho (1933-2014). Foi a segunda colaboração entre os dois. Na primeira, para o documentário “O Fio da Memória” (1991), sobre a cultura e a identidade dos negros no Brasil, Coutinho surpreendeu Rescala.
“A maioria absoluta dos diretores pedem uma música bonita, envolvente, dramática. O Coutinho me disse que não queria nada melodramático, mas uma música seca, árida. Ele dizia que não gostava de melodia”, diverte-se Rescala.
Essas são apenas algumas das extensas contribuições do maestro, compositor, pianista e ator carioca no campo da música feita para imagem. Com uma coleção de prêmios que vai do Mambembe ao Golfinho de Ouro, passando pelo Shell, Rescala foi responsável por trilhas sonoras para novelas recentes da rede Globo, como “Meu Pedacinho de Chão” (2014) e “Velho Chico” (2016), além de assinar a música original do filme “Histórias da Unha do Dedão do Pé do Fim do Mundo” (2007), com poemas de Manoel de Barros.
Curador do Festival Musimagem, que chega à sua quinta edição e acontece desta quinta (21) a domingo (24) em BH, Rescala se habituou, desde cedo, a “cantar uma história”, como ele define. “Sou filho de cantores, durante 35 anos meu pai pertenceu ao coro do (Theatro) Municipal (do Rio), e minha mãe era organista e cantora. O convívio com a ópera me ajudou muito a entender a função da música de cena”, conta.
Ele considera que “a importância da música concebida para atender à imagem”, principal mote da iniciativa, “está no tamanho que o audiovisual vem adquirindo”. “Ao contrário da indústria fonográfica, que sofreu uma queda e só agora está se recuperando com streaming, o audiovisual está num crescendo o mundo inteiro e, no Brasil, houveram leis que garantiram uma porcentagem para essa produção, o que trouxe, a reboque, as trilhas sonoras”, observa ele.
Tributo
Autor da música original para a adaptação do espetáculo “O Pequeno Príncipe” (2018) feita pelo maestro Rodrigo Toffolo, Rescala vai reger a Orquestra Ouro Preto pela primeira vez, em um concerto de gala que chama à baila obras do norte-americano Christopher Young e do catarinense Edino Krieger, os homenageados do evento.
“Estudei com o (musicólogo Hans-Joachim) Koellreutter, e ele dizia que o compositor precisa achar o seu cunho próprio, onde a música é só dele. Tanto o Edino quanto o Young são grandes melodistas e trazem uma identidade, algo que anda em falta, principalmente com os blockbusters da Marvel, onde tudo é muito impessoal”, analisa o entrevistado. A trilha de “O Homem-Aranha 3” é de Young. Já Krieger compôs para filmes de “Os Trapalhões” e “Meu Pé de Laranja Lima”, de 1970. “Nesse filme, o Edino usa um violão com orquestra, e você já sente o sabor da música brasileira”, aponta Rescala.
Piano
Ernesto Nazareth (1863-1934) recebe o público na entrada da sessão. Lá dentro, filmes mudos são exibidos, e Nazareth, vivido pelo ator Davidson Rocha, convida a plateia a criar uma música com “um piano diferente”. A instalação, outra atração do festival, é um dos xodós de Rescala. “Cria-se uma interatividade incrível”, orgulha-se ele.
Festival Musimagem, desta quinta (21) a domingo (24), no CCBB (praça da Liberdade, 450). Gratuito. Programação completa no site.