Música

Paulinho da Viola faz show acompanhado da filha em Belo Horizonte

Cantor ocupa o palco do Sesc Palladium ao lado de Beatriz Rabello com o espetáculo "Bloco do Amor" nesta sexta-feira (22)

Sex, 22/02/19 - 03h00
Paulinho da Viola e sua filha, Beatriz Rabello, trazem o show "Bloco do Amor" a BH nesta sexta-feira | Foto: Wilton Junior / Estadão Conteúdo

Foi logo depois de ver uma charge do cartunista Jaguar que a ideia surgiu na cabeça de Paulinho da Viola, 76. No desenho, a praia de Ipanema, no Rio, aparecia lotada de dejetos que circundavam as pessoas dentro d’água. Assim nasceu a música pela qual ficou conhecido o LP lançado por Paulinho em 1975: “Amor à Natureza”. Feita em forma de samba-enredo, a canção se valia de “um certo sentido irônico e crítico”, afirma o músico.

“Usei chavões do gênero, como ‘relíquia do folclore nacional’ e ‘joia rara’. Na época me diziam que era o primeiro samba ecológico”, diverte-se. A faixa ainda criava o fictício Grêmio Recreativo Escola de Samba Cenário de Tristeza e mudava a perspectiva histórica da exaltação ao apontar problemas da metrópole. A canção será a responsável por abrir o espetáculo que Paulinho apresenta amanhã, em Belo Horizonte, ao lado de sua filha Beatriz Rabello.

“Eu a incluí no roteiro quando lembrei que não é de hoje que vivemos essas catástrofes e mudanças climáticas, ainda mais num momento onde há quem diga que a Terra não é redonda”, ironiza. Concebida durante o crescimento da “especulação imobiliária e das selvas de pedra que tomavam conta da cidade com toda aquela poluição visual”, a música retornou à memória de Paulinho após as tempestades na capital carioca que deixaram sete mortos e a tragédia com a barragem da Vale, em Brumadinho (MG), com mais de 300 vítimas entre motos e ainda desaparecidos.

“Precisamos de políticas de Estado para combater essas questões que são recorrentes e muito sérias, todo mundo sabe disso, mas os caras não fazem nada”, critica. “O meu samba, pelo menos, termina com esperança”, completa. “Uma semente atirada num solo tão fértil não deve morrer”, determina uma das estrofes finais.

Carnaval

Batizado de “Bloco do Amor”, o show retoma o nome do primeiro álbum de Beatriz Rabello, colocado na praça em 2017. A música em questão interrompeu o hiato de dez anos de Paulinho sem apresentar uma inédita ao público. Para compensar a demora, ela veio acompanhada de “Solidão” (parceria com a artista plástica Maria Vasco). Ambas serão levadas à baila por pai e filha, condição que, na maioria das vezes, é resguardada por Paulinho.

“Acho que cada pessoa deve traçar o seu caminho. Claro que me dá prazer estar no palco com minha filha, mas evito dizer isso. Ela até brinca e, em determinada parte do show, fala: ‘ele não contou, não, mas é meu pai’. E aí eu fico todo encabulado”, admite o músico, herdeiro de César Faria (1919- 2007), fundador do conjunto de choro Época de Ouro. Embebida em lirismo, “Bloco do Amor” remete a personagens simbólicos da folia. 

“Pierrô, por favor, não deixe de brincar/ Pois há muita colombina por aí/ Sonhando e procurando um par”, diz uma passagem. “O Carnaval é especial porque as pessoas extravasam, se fantasiam, pulam, criticam. No fundo, ele representa a alegria”, define. A ascensão de blocos de rua em capitais como Rio, São Paulo e BH desperta a atenção do compositor de clássicos carnavalescos como “Sei Lá, Mangueira” e “Foi um Rio que Passou em Minha Vida” para outra característica. 

“Além do lúdico, esses blocos manifestam várias insatisfações. Esse espírito provocador é muito próprio do Carnaval e vem desde as marchinhas”, afiança ele, que realiza uma perspicaz comparação. “A crítica velada ou aberta que se fazia, mas sempre rindo, é o que as pessoas chamam hoje em dia de meme”, avalia. “Estão tentando organizar o Carnaval, mas é impossível, você não pode organizar essa festa”, defende.

Repertório

Sem contar os sucessos como “Coração Leviano”, “Timoneiro” e “Pecado Capital”, Paulinho procurou construir o roteiro do show com músicas ligadas à folia momesca. Dessa maneira, ele resgatou pérolas de seu baú. “Botafogo, Chão de Estrelas” é uma delas. Parceria com Aldir Blanc, a música foi feita sob medida para a estreia em disco de Walter Alfaiate (1930-2010), aos 68 anos. “É uma pequena crônica que fala sobre as figuras que se destacavam no bairro de Botafogo, onde eu e Alfaiate fomos criados”, rememora o cantor carioca. 

Criação

Não é de hoje que dirigir virou um transtorno para Paulinho da Viola, 76. Mas não pelas questões usuais que afligem a maioria dos brasileiros, como trânsito, estresse e medo de assalto. A culpa, no caso do sambista, é da inspiração. “É um problema porque, às vezes, durante a noite, quando tem menos movimento, vem uma ideia de repente, e eu me dou conta de começar um mecanismo meio inconsciente, de ter que prestar atenção ao volante e a mente ficar repetindo uma melodia, raramente é um verso”, conta Paulinho. 

Responsável por tesouros do cancioneiro nacional, como “Argumento”, “Dança da Solidão” e “Onde a Dor Não Tem Razão” (com Elton Medeiros), o cantor estreou em disco no ano de 1968, e seu mais recente trabalho data de 2007 (no caso, o “Acústico MTV”). Há mais de uma década sem retornar ao mercado fonográfico, o homem de fala mansa e voz macia comprova uma de suas teses mais repetidas, que não por acaso batizou o documentário em sua homenagem: “Meu Tempo É Hoje” (2003). 

Dono de uma obra concisa e lapidar, a busca pela essência permanece como mote para Paulinho. “Quando eu tomo consciência e tento guardar uma melodia para trabalhar depois, aí ela muda, já é uma coisa diferente. É incrível, mas a impressão primária teima em quase sempre escapar, e isso me irrita”, revela o músico. Um exemplo contrário aconteceu com o choro “Um Abraço no Waldir”. 

O pianista Cristóvão Bastos vivia provocando Paulinho. Toda vez que os dois se encontravam, Bastos tocava no piano um trecho da melodia, e ficava encarando o amigo, que também é seu compadre. “Certo dia, ele fez a mesma coisa e eu imediatamente peguei o violão, sentei ao lado dele, e a música nos veio pronta, inteira”, rememora o cantor. Embora já tenha feito canções por encomenda para trilhas de novelas, escolas de samba e mesmo a pedido de parceiros, se valendo de sinopses, o mistério da criação segue indecifrável para Paulinho. 

“Já procurei compreender ao longo desses anos e não cheguei a nenhuma conclusão. Suponho que tenha a ver com as coisas que nos impressionam ao longo da vida e a gente nem se dá conta, no entanto elas ficam registradas em algum lugar, no inconsciente talvez”, sugere. Inconsciente que, para o filósofo romeno Emil Cioran (1911-1995), é sinônimo de alma.

Portela

Recuperada por Paulinho para o espetáculo “Bloco do Amor”, a música “Na Linha do Mar” foi inspirada em Clementina de Jesus (1901-1987), mas acabou lançada por Clara Nunes (1942-1983) em 1971. 

Clara, aliás, será tema em 2019 da Portela, escola do coração de Paulinho. “Clara foi uma pessoa muito ligada à Portela e extremamente generosa, é assim que me lembro dela. A homenagem é mais do que merecida. Além disso, ela ajudou a trazer a questão da religiosidade afro, que voltou ao debate”, ressalta.

Por sinal, os rumos do país não têm agradado ao músico. “Parece que estão dando aval para se matar mais mulheres, homossexuais e jovens negros do que nunca. Não acredito que vai se resolver a questão da violência com mais violência, como já é feito há anos, e ainda facilitando a posse de arma. Acho que a insegurança só tende a aumentar”, lamenta.

Agenda

O quê. Show “Bloco do Amor”, com Paulinho da Viola e Beatriz Rabello
Quando. Nesta sexta-feira (22), às 21h
Onde. Sesc Palladium (rua Rio de Janeiro, 1.046, centro)
Quanto. De R$ 50 (meia) a R$ 150 (inteira) 

Ouça a canção que batiza o show:

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