Chico Bento é um personagem universal e vem conquistando crianças de 8 a 80 anos desde que foi criado em 1961. Em 2008, ele virou tema da dissertação de mestrado da professora do Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal de Viçosa, Mariana Ramalho Procópio.

Em uma artivo exclusivo para o jornal O TEMPO, a pesquisadora analisa a importância desse caipirinha tão famoso e querido das histórias em quadrinhos.

"Chico Bento e os personagens da Turma da Mônica apresentam características mais universais, isto é, que podem corresponder a diferentes contextos. Tanto é que as histórias dos personagens de Maurício de Sousa já foram traduzidas para diversos países sem haver uma modificação na caracterização dos personagens. Contudo, Chico Bento e Papa-Capim, por exemplo, foram criados a partir de referências nacionais. 

No caso de Chico Bento, o personagem procura transmitir um universo brasileiro ligado à agricultura e aos valores do campo. Todavia, percebemos que se trata de uma representação mais romantizada, justamente para corresponder às tais características universais. A identidade rural de Chico Bento, por exemplo, não sinaliza uma regionalidade singular, uma demarcação geográfica, mas revela um modo de se compreender a ruralidade brasileira, marcado pelo chapéu de palha, andar descalço, pelas formas de falar diferentes do padrão vigente. Sabemos que essa forma de ver o homem do campo pode não corresponder à realidade dos trabalhadores rurais brasileiros, pode inclusive ser reveladora de estereótipos e preconceitos. Mas também é preciso considerá-la como uma espécie de fórmula linguística-discursiva que contribui para que o personagem continue existindo ao longo do tempo.

Em minha pesquisa, analisei histórias em quadrinhos do Chico Bento publicadas entre 1995 e 2004 e pude acompanhar um pouco dessa representação do personagem ao longo do tempo. Me interessava, sobretudo, perceber diferenças na representação do cotidiano rural e do cotidiano urbano. O que pude perceber de principal é que o campo e Chico Bento são reveladores de uma qualificação positiva, marcados pela natureza, pela tranquilidade e pela intuição. Interessante notar que as histórias procuram manter referências do tempo contemporâneo: falaram de reality shows, exibiram a evolução tecnológica por meio de aparelhos domésticos (videocassete, DVD’s, por exemplo) e tematizaram o consumo em shopping centers. Mas essas mesmas histórias, pelos menos aquelas às quais tive acesso para analisar em minha pesquisa, mantiveram silêncio sobre importantes questões referentes ao meio rural como os transgênicos, o agronegócio, a reforma agrária, o movimento dos trabalhadores sem-terra, entre outros.


Acredito que as histórias em quadrinhos, sobretudo essas destinadas ao público infanto-juvenil, são um importante instrumento para fazer com que crianças e jovens conheçam determinados assuntos. Chico Bento pode ter sido o primeiro contato de muitas crianças com o mundo rural. Por meio dele, podemos desconstruir ideias sobre preconceito linguístico, podemos valorizar os saberes baseados na experiência, podemos difundir costumes, cultura e conhecimentos pouco utilizados na cidade. Chico Bento nos sinaliza a importância da agricultura familiar, da educação do campo e de se pensar um desenvolvimento sustentável. "

Mariana Ramalho Procópio, é professora do Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal de Viçosa. Em 2008, defendeu a dissertação de mestrado O ethos do homem do campo nos quadrinhos de Chico Bento, pelo Programa de Pós-Graduação em Estudos Linguísticos da Universidade Federal de Minas Gerais, período no qual foi bolsista de mestrado pela CAPES.