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Porta dos Fundos lança especial de Natal parodiando 'Democracia em Vertigem'

'Teocracia em Vertigem' estreia nesta quinta-feira (10) com muitas referências à política brasileira e ao atentado que o grupo sofreu em 2019

Qua, 09/12/20 - 19h38
Fábio Porchat interpreta Jesus Cristo no novo especial de Natal do Porta dos Fundos | Foto: Daniel Chiacos/Divulgação

“A gente nunca pensou em não lançar o nosso especial de Natal neste ano; a gente sempre gostou dessa cereja no fim do ano”: nem mesmo a tentativa de censura ao ao especial de 2019 e o atentado à bomba na sede da produtora, em dezembro do ano passado, desmotivaram o grupo Porta dos Fundos, como afiança João Vicente de Castro, um dos sócio-fundadores. Pelo contrário, esses e tantos outros fatos ocorridos nos últimos meses no país serviram de inspiração para o especial deste ano do Porta, chamado “Teocracia em Vertigem”, que estreia nesta quinta-feira (10) no canal da produtora no YouTube e também na nova plataforma de streaming Pluto TV.

A produção é livremente inspirada no filme “Democracia em Vertigem”, de Petra Costa (indicado ao Oscar 2020 na categoria de melhor documentário), com uma linguagem de documentário. O roteiro é de Fábio Porchat, que na versão do Porta dos Fundos interpreta Jesus Cristo. “Teocracia em Vertigem” se passa entre o julgamento de Cristo e a ressurreição e, por isso, Porchat revela que leu a Bíblia. “Eu li o Novo Testamento para conseguir fazer uma coisa bem fiel ao que estava ali”, explicou ele, que revelou que enviou o texto a alguns líderes religiosos para que opinassem sobre o conteúdo.  

Entretanto, quem assistir ao especial verá que a questão da religião está em segundo plano, pois ele tem uma forte conotação política. Nos cerca de 60 minutos de duração, é possível identificar referências a fatos recentes da história do Brasil, como o impeachment de Dilma Rousseff, em 2016, e também à família Bolsonaro. “As frases políticas, muitas delas, são exatamente literais”, contou Porchat. “Nossa preocupação é não personificar ninguém, não queríamos que as pessoas falassem que Jesus é Lula ou Dilma, por exemplo”, afirmou o roteirista. “Critica, principalmente, a polarização e essa maluquice que a gente está vivendo”, garantiu Porchat.  

Antonio Tabet, que também participa do especial, acrescentou que “Teocracia em Vertigem” traz críticas tanto a ala de direita quanto a de esquerda no país. Ele acredita que a repercussão neste ano não será tão grande no sentido explosivo, literalmente. “Acho esse mais político, e o ‘cidadão de bem’ é mais tolerante com críticas à política do que com valores que eles julgam como certos ou errados”, pontuou.   

“Nossa ideia não é destruir os valores cristãos”, destacou Gregório Duvivier, que no especial vive um apresentador de programa policial sensacionalista. O ator afirma que, apesar do humor presente em “Teocracia em Vertigem”, a história mostra que Jesus era uma figura política e que viveu em um contexto de contestação ao poder. 

 

Batendo de frente

“Teocracia em Vertigem” chega também como uma resposta aos ataques que o Porta dos Fundos sofreu após a divulgação do especial “A Primeira Tentação de Cristo”, exibido na Netflix, algo de críticas por representar Jesus como homossexual. Em janeiro deste ano, um desembargador do Rio de Janeiro mandou suspender a exibição da produção de 2019 a pedido do Centro Dom Bosco de Fé e Cultura, sob a alegação de que  “a honra e a dignidade de milhões de católicos foram vilipendiadas”. A Netflix, entretanto, recorreu ao Supremo Tribunal Federal (STF) e conseguiu manter “A Primeira Tentação de Cristo” no ar. 

Antes desse episódio, em dezembro do ano passado, a antiga sede do Porta dos Fundos, no bairro de Humaitá, no Rio, sofreu um atentado a bomba. Até o momento, um dos suspeitos foi identificado e foi preso na Rússia, para onde fugiu após o ataque. Mas a investigação sobre o caso continua. 

“O clipe (exibido no final de ‘Teocracia em Vertigem’) tem imagens das câmeras de segurança que registraram o atentado”, contou Fábio Porchat. Segundo ele, frases como “foi bem feito a bomba”, “quero ver fazer piada com mitologia romana”, “se Jesus voltar, eu mato de novo”, recebidas pelo grupo, foram incluídas no roteiro. “Botei muitas frases dos 'minions', dos Olavos, dos terraplanistas... Tem muita referência no clipe que encerra nosso especial”, ressaltou.

“Mas tem algumas referências também ao longo do especial”, garantiu ele. Segundo o roteirista, a própria divulgação que o Porta dos Fundos é uma resposta a esses ataques. A gente nunca fez a divulgação do especial, esta é a primeira vez”, afirmou Porchat, que contou que a produtora usou até faixas penduradas em aviões para chamar atenção das pessoas para a estreia.

Além do elenco do Porta dos Fundos, participam de “Teocracia em Vertigem” o cantor Emicida, a cineasta Petra Costa, Clarice Falcão (ela narra o documentário), além dos atores Marcos Palmeira e Renato Góes e do humorista Hélio de la Peña - ao todo, são 25 pessoas. “É o maior elenco de convidados que a gente já teve”, comemorou Porchat. 

‘A gente só está vivo porque Jesus não era gay e preto’

Fábio Porchat, entretanto, não acredita que neste ano o Porta dos Fundos “pegou mais leve” se comparado ao especial de 2019. “O personagem do Gregorio Duvivier fala que é um Deus que 'senta', um Deus 'bicha'. Ano passado, a revolta de alguns foi por homofobia. Isso diz muito mais sobre as pessoas que se revoltaram do que sobre o especial”, garantiu ele. 

Tanto Porchat quanto os outros sócios da produtora acreditam que o ataque à bomba ocorrido no ano passado foi motivado por homofobia. “Eu tenho certeza de que só jogaram as bombas no Porta porque Jesus era gay no especial do ano passado. Acho que a gente só está vivo porque Jesus não era gay e preto; senão, seriam ainda mais bombas”, afirmou Antonio Tabet. 

“Os acontecimentos nos deixaram mais tristes do que com medo, por morarmos em um país radical... Aí ficou comprovado mesmo que as pessoas são muito malucas”, disse João Vicente de Castro. “Arrisco a dizer que é o melhor especial que a gente já fez, pois mostra um amadurecimento nosso. A gente evoluiu muito como especialistas da Bíblia (risos). O especial dá muito o que falar”, afirmou ele.  

O grupo está ciente de que as críticas podem pipocar logo após a estreia de “Teocracia em Vertigem”. Sobre essa questão, Porchat é enfático: “Se o especial de Natal enfraquece sua crença, o problema não é o especial”. “Não quer assistir, não assista. O bom de estar no YouTube é que todo mundo vai poder assistir”, completou ele, que disse que muitas pessoas que criticaram “A Primeira Tentação de Cristo” nem chegaram a assistir a produção por estar numa plataforma paga, no caso a Netflix. “Neste ano vai estar disponível para quem quiser assistir. A pessoa vai poder analisar o conteúdo”, destacou ele.

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