Foi aos 17 anos, em um show no formato voz e violão, em um bar, que a cantora Lívia Itaborahy estranhou o fato de três pessoas terem chegado até ela pedindo que entoasse algumas músicas de Mercedes Sosa. Mas, sim, num segundo momento ela deduziu que o episódio provavelmente tinha a ver com o fato de ter a voz mais grave e os cabelos pretos, longos, tal qual os da cantora argentina, falecida em 2010. Mesmo assim, naquele dia, quando chegou em casa, resolveu narrar o ocorrido à mãe, que de pronto lhe mostrou o disco da intérprete que tinha entre os seus preferidos, apresentando-lhe a música "Volver a Los 17".
Foi inevitável. Com o tempo, Lívia foi se conectando cada vez mais ao repertório da artista, a quem, no último Dia Internacional da Mulher, 8 de março, dedicou um show em homenagem, no palco do Memorial Minas Vale. E é justamente essa apresentação que o equipamento passa a disponibilizar online neste sábado, às 19h30, no YouTube, no bojo das atrações destinadas a quem está em casa, de quarentena. Lívia lembra que, na verdade, antes dessa apresentação no Memorial, já havia realizado uma em 2018, na verdade, a estreia; na Sala Juvenal Dias do Palácio das Artes. "Essa ideia (de homenagear Sosa) estava no coração desde 2017", salienta.
Desde que passou a se interessar por uma das vozes mais reverenciadas da música latino-americana, Lívia mergulhou fundo na biografia de Mercedes. "Já tinha me formado aqui, feito licenciatura em canto, quando fui fazer um curso sobre ritmos latino-americanos e tango na Argentina, inclusive porque também queria aprender espanhol. Lá, estudei não só a nuova canción, como os ritmos folclóricos, que Mercedes Sosa procurava levar, com o seu canto, para o mundo todo. Porque ela era uma grande defensora da união dos países latino-americanos, das causas do povo e da expansão da cultura à qual pertencia. Ela morou na Suíça, durante o regime militar, e difundiu muito a sua arte por lá".
Lívia Itaborahy também fez, mais recentemente, uma outra visita à Argentina, no caso, focando a terra natal de Sosa, a cidade de Tucumán (Sosa nasceu em 1935). "Curioso é que fica na região mais ao norte do país, e guarda certa similaridade com Minas Gerais, onde ela gostava de vir. A questão das montanhas, do acolhimento. Suas vindas a BH eram muito aclamadas, e ela estabeleceu uma forte amizade com músicos como Milton Nascimento", lembra a cantora, nascida em Volta Redonda, mas radicada na capital mineira.
A conexão da argentina com Minas foi de tal monta que Lívia salienta a foto de Mercedes Sosa com integrantes do Clube da Esquina que está no Museu do Conhecimento. "A primeira vez que fui lá e a vi, falei: 'Nossa, mas sou eu'", brinca. E veio a ideia do tributo. "Cheguei a pesquisar se havia iniciativas anteriores (de shows em homenagem), mas vi algumas mais localizadas mesmo na região fronteiriça à Argentina". De cara, ela já sabia que a iniciativa não seria pensada para grandes públicos. "A música que a Mercedes Sosa interpretava exige uma escuta mais atenta. Ela praticamente conversava com as canções. Quis idealizar um show com cenário e figurinos, inclusive que fizessem referência aos índios diaguitas".
O formato final escolhido incorporava, ainda, Nestor Lombida no piano e Ricardo Cheib na percussão. Logo na abertura, Lívia interpreta "Yo Vengo Oferecer mi Corazón", de Fito Paez. "O nome dessa música já diz tanto", comenta ela. Outro ponto alto é "Iolanda", de Pablo Milanés, que, no Brasil, também ficou conhecida na voz de Simone e de Chico Buarque. "La Cigarra" (Maria Elena Walsh), "Duerme negrito" (Ernesto Grenet Sánches), "El Cosechero" (Ramon Ayala), "Chacarera de las piedras" (Atahualpa Yupanqui), "Sueño con Serpientes" (Sílvio Rodrigues) são outras canções que ela escolheu para o repertório, que também contempla uma música de Milton Nascimento, "San Vicente".
Lívia não descarta que, após a quarentena, possa voltar a montar o espetáculo. "Eu sou uma pessoa que geralmente não me inscrevo em editais (para circular), mas esse teve uma receptividade que me fez querer seguir com ele ao menos por mais uns dois anos. E uma curiosidade, é que, na minha opinião, as mensagems das letras cabem bem para o momento que estamos vivendo. São positivas, no sentido de trazer bem estar, e são fortes. Mercedes Sosa cantava para o povo, não para intelecutais, então, são mensagens muito claras, simples, que chegam como alento". Já quando indagada se tem vontade de apresentar o show em plagas argentinas, ela ri. "Seria a ousadia do universo. Mas já cantei por lá, em shows ou em rádios e nas TVs, alguma coisa da Mercedes, porque quero sim, desaguar esse amor por ela para eles".
Desafiada a citar uma música do repertório de Mercedes Sosa que fala mais alto a seu coração, ela opta por "Un Vestido y Un Amor", do já citado Fito Paez. "Porque é meio parte da minha história. Meus pais se separaram, e um dia, ouvi da minha mãe que essa era uma de suas canções preferidas, no entanto, na versão do Caetano Veloso. Mais tarde descobri que era também a do meu pai, só que na versão em português, com o Fagner. Ou seja, os dois nutriam o mesmo sentimento por uma canção que fez parte do repertório da Mercedes Sosa. E eu acho que nada é por acaso". Outras músicas que ela destaca são "Gracias a La Vida" e "Volver a los 17", que, entende, têm letras que se proclamam com a realidade da vida.
Em tempo: no próximo dia 25, quando acontecerá, online, a festa argentina, evento promovido por cidadãos do país vizinho que moram em Minas, Lívia também deve dar uma canja, com parte desse repertório tão hermoso quanto rico.
Confira, pois, o show de Lívia Itaborahy neste sábado (16), a partir das 19h30, no YouTube
https://www.youtube.com/user/memorialvale