Televisão

'Round 6': Entenda por que a série da Netflix faz tanto sucesso

Com críticas sociais e apostas na crueldade, produção sul-coreana viraliza mundialmente e se torna o maior sucesso da gigante do streaming

Por Alex Ferreira
Publicado em 14 de outubro de 2021 | 06:00
 
 
Série sul-coreana 'Round 6' é o hoje o maior sucesso da história da Netflix Divulgação/Netflix

Queimada, bolinha de gude e cabo de guerra. A nostalgia que acompanha esses jogos infantis populares – aparentemente inofensivos – é o combustível que move a trama de “Round 6”, seriado da Netflix que tem viralizado desde sua estreia, em 17 de setembro de 2021. 

Porém, se engana quem pensa que é o tom lúdico que embala cada episódio da série. A história, na verdade, traz uma “pegadinha” macabra e sanguinária: confinados em uma ilha isolada, 456 jogadores são obrigados a disputar seis rodadas de brincadeiras de rua em busca de uma bolada de dinheiro. Quem vencer fica com o prêmio bilionário; já quem perder paga com a própria vida. 

Essa premissa inusitada sem dúvida é um dos agentes responsáveis por transformar o drama distópico em um fenômeno global da noite para o dia.

O sucesso foi tanto que a gigante do streaming anunciou, na noite da última terça-feira (12), que a produção sul-coreana se tornou seu maior lançamento na história, atraindo 111 milhões de fãs em todo o mundo. 

Mas qual é o verdadeiro apelo que tem levado “Round 6” a alcançar tanto êxito fora da Coreia do Sul? 

Para a crítica de cinema Cecilia Barroso, editora do site Cenas de Cinema, a chamada “onda coreana” está diretamente ligada ao investimento feito há anos pelo governo do país asiático para promover sua indústria cultural e artística. 

“O fenômeno sul-coreano não é algo novo. Tudo isso começou lá em meados dos anos 2000, quando foram lançados filmes de ação e terror, como ‘Oldboy’, de Park Chan-wook, ‘O Hospedeiro’, de Bong Joon-ho – diretor de ‘Parasita’ –, e ‘O Caçador’, de Na Hong-jin, que puseram a Coreia no mapa do audiovisual. De lá para cá, houve uma consolidação dessa produção, e o Oscar de ‘Parasita’, acabou por validar tudo isso”, avalia. 

Embora produzido em uma nação onde a ordem cultural e social é bastante diferente daquela dos Estados Unidos, América do Sul e Europa, a série conseguiu atrair um público diverso, muito possivelmente por explorar temas e ideias universais.  

“Essas temáticas sempre fizeram sucesso. A ficção científica, por exemplo, tem a distopia como um de seus marcos mais importantes”, analisa Cecilia. “Mas acho que tem essa coisa humana de pensar no futuro e no pessimismo, sentimento bem imanente à nossa espécie”, acrescenta. 

Ela sugere ainda que outros possíveis atrativos do seriado estejam ligados diretamente à abordagem de elementos atrozes do cotidiano da sociedade, como o suspense, o medo e a dor. 

“‘Round 6’ tem muito do horror gore, representado nas mortes bizarras. Isso sempre foi um componente fascinante para as pessoas desde os tempos dos contos de fada”, diz.  

Cecilia chama atenção para o fato dos jogos do seriado se passarem em um ambiente hostil muito parecido ao dos reality shows, no qual os participantes estão sempre em competição direta um com os outros. 

“O formato de reality show também traz uma certa familiaridade para a narrativa e, aliado à questão das escolhas, acertos e erros dos personagens, prende o espectador à narrativa, assim como os ‘cliffhangers’ – ganchos que nos fazem querer assistir logo aos próximos episódios. Por fim, acho que o roteiro acaba fazendo a diferença também, pois consegue manipular toda a tensão da história sem ser óbvio”, completa. 

Brincadeiras mortais refletem a desesperança global 

Em um mundo assolado por uma pandemia e repleto de conflitos de ordem ideológica, política e social, “Round 6” é um espelho das frustrações e desesperanças vivenciadas por muitos no dia a dia. E esse modelo acaba ligando a realidade à fantasia e gerando uma identificação no espectador. 

“O sucesso de ‘Round 6’ chega num momento bastante oportuno ao cenário atual profundamente marcado por uma crise de suas instituições políticas e econômicas, sobretudo no âmbito da saúde mundial”, ilustra Krystal Urbano, professora e pesquisadora da Universidade Federal Fluminense (UFF) e integrante e coordenadora do MidiÁsia, grupo de pesquisa em mídia e cultura asiática contemporânea. 

“A série rompe com o padrão da narrativa ficcional dos k-dramas baseados no melodrama, tendo como base a distopia para o desenvolvimento de sua narrativa ficcional. O que me parece é que as produções distópicas de mercados audiovisuais não ocidentais são vistas com mais legitimidade no ocidente do que os romances”, diz ela.  

Para Krystal, o grande diferencial de “Round 6” é conseguir fazer uma crítica contumaz às crueldades da sociedade pós-moderna.

“As narrativas ficcionais de tom assustador ou totalitário desenvolvidas em filmes, livros e séries revelam uma necessidade intrínseca do ser humano de imaginar um futuro próximo possível, tendo em vista as preocupações e os desafios que se apresentam no presente. Por isso o interesse atual no consumo desse tipo produção”, resume. 

A professora explica ainda que a relevância da cultura coreana através de filmes, séries de televisão e até na música se deve muito a uma nova polarização cultural que não se apoia mais nos EUA como agente máximo. 

“A perda contínua da centralidade dos Estados Unidos no âmbito político, econômico e cultural e do lugar de universalidade ocupado pela língua inglesa enquanto idioma padrão da cultura audiovisual global, é um dos diversos elementos que ajudam a explicar a expansão cultural da Coreia do Sul pelo mundo”, destaca Kristal. 

O produtor e curador de mostras de cinema Breno Lira Gomes concorda com a professora. Segundo Breno, esses componentes, sempre tão presentes em filmes e séries feitas na Coreia do Sul, devem manter o país na berlinda do audiovisual ainda por bastante tempo. 

“O apuro estético e narrativo é o grande destaque dessas produções sul-coreanas. Elas sempre prezam por roteiros fortes com histórias que prendem o espectador e fazem refletir sobre a sociedade contemporânea. E isso, sem dúvida, nunca sai de moda”, finaliza. 

Moral da história 

Escrita e dirigida por Hwang Dong-hyuk, a série “Round 6” busca propor reflexões sobre a crueldade, ganância e desespero humano. O drama é dividido em nove episódios de cerca de 50 minutos – e cada final de capítulo conta com uma reviravolta ou acontecimento extremo que induz quem assiste a querer logo pular para a próxima parte da história. 

O enredo segue um grupo de pessoas endividadas que são convidadas a participar de uma competição misteriosa composta por seis jogos inspirados em brincadeiras infantis da Coreia do Sul.  

Diante da promessa de um prêmio no valor de 46,5 bilhões de wones (aproximadamente R$ 208.845.119,58), eles aceitam, sem saber, incialmente, as consequências macabras para quem perder. 

Com uma trama cheia de reviravoltas e muitas cenas de tirar o fôlego, a série se tornou um fenômeno mundial e o maior sucesso na história da Netflix até agora.