Transformação

Saiu do romantismo, e o caixa ficou no azul

Após anos de prejuízos, saiba como a Autêntica se transformou em uma das grandes editoras do país

Sex, 15/10/21 - 00h02
“O leitor que a gente imagina nem sempre é aquele que existe de fato” diz Rejane | Foto: Grupo Autêntica/ Divulgação

Rejane Dias é uma ex-romântica. A mulher à frente da editora Autêntica é uma das figuras relevantes do mercado editorial brasileiro. Ela vem chamando atenção pelo seu senso de oportunidade, especialmente nos últimos anos. Sediada em Belo Horizonte, a casa editorial que ela lidera destacou-se no cenário nacional ao conseguir equilibrar títulos de qualidade, clássicos e obras com viés comercial. O romantismo acabou, e o caixa entrou no azul.

“O leitor que a gente imagina nem sempre é aquele que existe de fato”, resume a editora executiva, após anos deglutindo prejuízos e frustrações. “Levei muita traulitada, praticamente fali, mas sou teimosa e fingi que não estava no chão”, relembra. A certeza de que estava escolhendo os melhores títulos ela já tinha, mas somente após ir em busca de consultorias administrativa e de vendas é que a empresária afinou a compreensão sobre métricas mercadológicas. “Eu olhava o livro quase como missão, mas depois admiti que precisava de um consultor para sair do lugar fantasioso do editor”, assume.

A ex-missionária da literatura abandonou o caminho tortuoso de obras encalhadas e se enveredou por trilhas mais lucrativas. Com 24 anos de vida, somente nos últimos quatro a Autêntica conseguiu sair do vermelho. “Eu não sabia olhar para o livro como um produto vendável”, diz. Também foi possível deixar de ser refém das flutuações inconstantes das compras governamentais, algo que cria dependência no mercado editorial brasileiro. Concentrar esforços no varejo deu resultado.

Agora são as pessoas físicas que estão interessadas no que o Grupo Autêntica manda para o papel ou para leitores digitais. Dali saem nomes celebrados pela crítica, como Virginia Woolf, Georges Bataille, James Joyce e Sigmund Freud. E também apostas que acabam atingindo um público mais elástico. É o caso do livro “Talvez Você Deva Conversar com Alguém”, da terapeuta norte-americana Lori Gottlieb, que já bateu a impressionante marca de 100 mil exemplares vendidos e conquistou postagens nas redes sociais de celebridades como Marília Gabriela, Grazi Massafera e Patrícia Poeta, o que ajuda a aumentar os cifrões das vendas. “A Fábrica de Cretinos Digitais”, obra do neurocientista francês Michel Desmurget que trata sobre o perigo das telas para as crianças, é a investida do momento.

Rejane está animada com o lançamento de uma coleção de literatura contemporânea. Já conquistou atenção do mercado e do público com selos dedicados aos segmentos jovem (Gutenberg), infantojuvenil (Yellowfante), não ficção (Vestígio) e quadrinhos (Nemo). A ampliação do catálogo permitiu que a editora evitasse ser tão dependente do desempenho de poucos autores. O caso mais emblemático ocorreu com Paula Pimenta. Publicada por acaso – a editora diz que só topou depois de muita insistência de uma pessoa –, a escritora da série “Fazendo Meu Filme”, que alcança números assombrosos de vendas, chegou a corresponder a 60% do faturamento da Autêntica.

Estar na capital mineira é um dos diferenciais da editora, especialmente num segmento ainda tão concentrado no eixo Rio-São Paulo. Foi somente após fixar sua área de vendas na capital paulista que a empresa de Rejane conseguiu engrenar comercialmente. Mesmo sendo diversa, a identidade mineira da Autêntica aparece nas minúcias. “Somos muito detalhistas com revisão e expedição, por exemplo. É uma coisa de ourivesaria de detalhes, algo quase obsessivo”, detalha Rejane.

 

Pandemia amplia tempo para leitura e aumenta lucros

O esmero no catálogo acompanhado da calculadora sempre à vista resulta em uma performance formidável. Rejane avalia um efeito positivo causado pela pandemia, que recomendou que todo mundo ficasse mais em casa. “A pandemia nos ajudou, criou um tempo de leitura na vida das pessoas”, avalia. Dessa forma, a Autêntica cresceu 38% em 2020 e neste ano já soma 48% de aumento na performance. A dúvida, no entanto, é saber se esse público vai continuar consumindo livros no mesmo ritmo quando o fim da pandemia chegar.

O derretimento de grandes redes, como Saraiva e Livraria Cultura, foi um baque inicial – a editora diz que sofreu, à época, um calote de R$ 3 milhões –, mas o momento seguinte foi de colheita. Com o fortalecimento vertiginoso do comércio virtual, especialmente na gigante Amazon, a Autêntica foi surpreendida com boas quantidades de pedidos, o que deu fôlego ao caixa. Nesse redesenho, que colocou a Livraria Leitura como a principal rede do país, Rejane não deixa de defender a importância das livrarias físicas. “Os editores perceberam o poder das lojas físicas na pandemia. Os livreiros são fundamentais, e as pessoas sentem falta de sessão de autógrafos”, pontua.

As previsões futuras seguem em ritmo acelerado na casa editorial, que deve chegar ao fim deste ano com cerca de 80 títulos lançados, número que promete subir para 120 em 2022. “Acredito que vamos entrar num ciclo positivo do livro no Brasil, principalmente na ficção. Queremos avançar, mas vai depender do contexto”, finaliza a empresária.

 

TRÊS LIVROS MARCANTES, POR REJANE DIAS 

Chapeuzinho Amarelo, de Chico Buarque, com ilustrações de Ziraldo. O clássico da literatura infantil está em sua 41ª edição.

https://grupoautentica.com.br/yellowfante/livros/chapeuzinho-amarelo/1801

 

Os engenheiros do caos, de Giuliano Da Empoli. A obra aborda a questão de como as fake news são utilizadas para disseminar o ódio.

https://grupoautentica.com.br/vestigio/livros/os-engenheiros-do-caos/1799

 

Ética, de Spinoza. A publicação é um marco na trajetória da Autêntica. “Foi um soco na cara e passamos a investir mais em clássicos”, diz Rejane Dias.

https://grupoautentica.com.br/autentica/livros/etica-edicao-bilingue/344

 

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