ESTREIA

Simone Spoladore se lança como diretora no curta-metragem 'Chá de Alice'

Filme foi apresentado na 27ª edição da Mostra de Cinema de Tiradentes, com a presença da atriz

Por Paulo Henrique Silva
Publicado em 29 de janeiro de 2024 | 12:27
 
 
Atriz também acompanhou a exibição do longa "Leme do Destino", de Júlio Bressane Foto: Leo Lara/Universo Produção

TIRADENTES – Atores que, em plena atividade, se lançam ao desafio de dirigir um filme vêm sendo uma tônica do cinema brasileiro atual. E Simone Spoladore é mais um nome a se juntar a um grupo que tem Lázaro Ramos, Wagner Moura, Fabrício Boliveira, Leandra Leal, entre tantos outros. Na 27ª Mostra de Cinema de Tiradentes, encerrada no sábado, ela apresentou o curta-metragem “O Chá de Alice”.

Inspirada livremente num capítulo de “Alice no País das Maravilhas”, de Lewis Carroll, a história foi escrita por Simone, que não mediu esforços para ver o projeto sair do papel, usando recursos próprios. Até mesmo parte dos objetos de cena veio da casa da artista, no Rio de Janeiro. “Aquelas xicrinhas, as cadeiras, aquilo tudo foi levado de casa”, revela a diretora estreante.

A inédita experiência, que demorou quase dez anos para chegar às telas (as filmagens aconteceram em seis dias, no Parque Lage, em 2016), ganhará desdobramento em breve. “Estou escrevendo um longa, que está muito embrionário. Já temos o primeiro tratamento de um roteiro e estamos entrando em laboratórios para desenvolvimento para ganhar um edital e poder fazê-lo”, adianta.

Simone Spoladore trabalhou com diretores de diversos estilos, como Luiz Fernando Carvalho, com quem se lançou no cinema, com Lavoura Arcaica” (2001), além de Alain Fresnot (“Desmundo”), Marcelo Laffitte (“Elvis & Madonna”), Helena Ignez (parceria que resultou em quatro filmes) e, mais recentemente, Julio Bressane – em “Leme do Destino”, também exibido na Mostra de Tiradentes.

A pergunta, sobre as referências que extraiu de cada realizador, é inescapável. “Sendo bem franca, estou descobrindo isso ainda. Não tenho isso elaborado ainda. Mas, com certeza, eles farão parte de meu processo como diretora”, ressalta. Uma coisa é certa: a caminhada para trás das câmeras não foi fácil. “Nesse passo de sair da posição de atriz, estava um negócio intransponível”, lembra.

“Era como se tivesse um muro na minha frente. Não conseguia ver por onde ia encontrar esse caminho para poder abrir uma porta. Foi um processo muito lento, porque eu não sabia como fazer. Eu mesma tive que desconstruir a imagem que eu tinha de um filme. Assistia a uma obra de Lars von Trier, por exemplo, e me perguntava como ele fez, tentando ver tudo que a pessoa junta de si mesma para realizar um filme”, relata.

Foi assim que ela criou coragem e sentou à mesa para escrever o roteiro, escrevendo “uma cena do começo ao fim, no mesmo cenário, para que eu pudesse produzir com menor quantia possível. Não é um processo simples, porque ninguém lhe ensina a fazer isso. E não é sem dor, porque você tem que sair do mundo ideal para ir para o real. Um cineasta, além de tantos outros talentos, ele tem que saber conseguir patrocínio”.

Como atriz, a trajetória de Simone Spoladore foi mais intuitiva, especialmente no audiovisual, em que não precisou se esforçar para buscar papéis diversos. “Na verdade, muita sorte, um privilégio mesmo de fazer personagens diferentes. Eu fiz (a série) ‘Magnífica 70’ e, logo depois, fui chamada para fazer a Clotilde, da novela ‘Éramos Seis’. Quer mais oposto um do outro?”, analisa.

“Não é algo tão pensado. Deve ser porque tenho tudo isso dentro de mim mesmo e os diretores veem isso. A própria Ana já tem isso, se você for pensar. Ela tem aquela primeira dança, mostrando uma doçura, e depois ela se transforma, exibindo uma sensualidade mais gritante, indo contra toda ordem estabelecida”, registra a atriz, citando a personagem do filme de Luiz Fernando Carvalho.

Ainda sobre “Lavoura Arcaica”, ela recorda que, quando leu o livro homônimo de Raduan Nassar que inspirou o longa, logo constatou: “Essa aqui sou eu”. No lançamento do filme, ela veio à Mostra de Tiradentes pela primeira vez. E, em 2013, recebeu uma homenagem do festival mineiro. “Eu fiz de tudo, se você for pensar. Não sei lhe dizer como isso aconteceu, foi acontecendo”.

As diferenças não estão apenas nos personagens. O estilo de cada realizador também chama a atenção da atriz em sua filmografia. Sobre Helena Ignez, que a dirigiu em “Canção de Baal” (2007), “Luz nas Trevas – A Volta do Bandido da Luz Vermelha” (2012), “Poder dos Afetos” (2013) e “Ralé” (2015), destaca uma “relação muito silenciosa, que acontece no olhar, no afeto que a gente tem uma pela outra”.

“É muito engraçado trabalhar com ela, ela não me dirige, não explica nada sobre o que vai acontecer. Ela fala assim: “Eu tenho um filme aqui, vem fazer”. Foi assim desde o começo. E eu chegava lá e colocava um figurino. Aí a gente ia para o set, ela pedia para sentar na cadeira e falar o texto... e a gente ia fazendo. Eu me sinto muito livre trabalhando com ela, tenho uma admiração grande por ela”, elogia.

Sobre Júlio Bressane, ela conta que esperou 15 anos para fazer “Leme do Destino”, que, apesar dessa demora de pré-produção, foi filmado em seis dias apenas. “Valeu cada minuto de espera. Júlio constrói o filme inteiro com elementos muito simples - um sapato que passa andando sozinho, um peixe que some embaixo do sofá, uma meia-calça que voa. Ele mesmo faz isso tudo”, explica.

“O Júlio é muito familiar, muito amoroso. É o cineasta mais doce com quem trabalhei. Nas horas vagas, ele adora falar sobre cinema, contar as histórias... é muito bonito o processo. O Julio é um intelectual, sempre tive essa imagem dele, mas vi que ele é muito além disso, um ser humano muito espiritual. Tanto é que chamei a experiência de cinema-útero”, afirma Simone.