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'The Velvet Underground': filme conta a história dos vermes da Big Apple

Em documentário impressionante da Apple TV +, diretor Todd Haynes traz de volta à vida o seminal grupo nova-iorquino que mudou as diretrizes do rock

Ter, 16/11/21 - 03h00

É uma das histórias mais idiossincráticas do rock. Em meio à efervescência do movimento flower power dos anos 1960, eis que surge dos subterrâneos de Nova York uma banda maldita, disposta a pintar com tons escuros o chamado “Verão do Amor”.

Com um som sombrio, ruidoso e letras que exploravam temas intensos, como as transgressões sexuais, a violência e o mundo das drogas, o Velvet Underground (VU) não atingiu qualquer sucesso radiofônico, mas acabou mudando as dinâmicas da música popular com um abalo sísmico que se sente até os dias de hoje.

Todo o impacto dissonante causado pelo quarteto é captado perfeitamente no documentário “The Velvet Underground”, que já está disponível na Apple TV +.

Dirigido pelo premiado cineasta Todd Haynes – responsável por filmes como “Velvet Goldmine” e “Não Estou Lá” –, o filme esmiúça a influência incicatrizável da banda de Lou Reed, John Cale, Maureen Tucker e Sterling Morrison.

Ao longo de duas horas, o documentário apresenta o VU sob uma ótica que vai além da música, delineando a contribuição do grupo para o universo dos filmes, da literatura e até mesmo da psicologia.

“Eu tinha uma ideia básica sobre como esse trabalho poderia ser especial e tentei captar o espírito insólito da própria banda e da música que eles faziam”, diz Haynes, em entrevista a O TEMPO por e-mail.

Por meio de entrevistas detalhadas com John Cale e Maureen Tucker – os únicos membros sobreviventes da formação original da banda – e gravações com depoimentos de Lou Reed e Sterling Morrison, o documentário mostra como o grupo surgiu, evoluiu e implodiu em meio ao cotidiano frenético e violento da Big Apple na década sessentista, período em que a cidade estava em total processo de ebulição.

Outros personagens que viveram de perto a seminal trajetória dos Velvets também participam com depoimentos riquíssimos, como é o caso de Shelley Albin (ex-namorada de Lou Reed e inspiração para o clássico velvetiano “Pale Blue Eyes”), Merrill Reed, irmã de Lou, e o cantor e compositor Jonathan Richman – da igualmente cultuada banda Modern Lovers –, que conta como ele seguiu os Velvets por todo os EUA no fim dos anos 1960 depois de ouvir o primeiro disco da banda.

“Eu devo ter visto entre 60 e 70 shows deles naquela época”, relembra Richman em uma das cena do documentário. “Eles mudaram a minha vida completamente”, acrescenta em tom de veneração.

Passeio visual pelo submundo de veludo

Nota-se um grande trabalho de investigação no filme, que se manifesta especialmente nas imagens de arquivo e filmagens de shows raros ou pouco conhecidos do VU. Tais recursos visuais permitem ao público entender o panorama artístico e local que instigou o surgimento da banda.

“Os assuntos que uso nos meus filmes são quase sempre sobre o universo musical, mas eles vão além da minha paixão por música. Eles representam momentos culturais nos quais um artista, ou um gênero de música, muda a ordem das coisas ou reflete sobre as transformações ao seu redor”, explica Todd Haynes.

“Minha intenção com esse trabalho era fazer um documentário de vanguarda, usando a cultura e a linguagem da cena artística que cerca o Velvet Underground, e a partir disso contar a história deles”, complementa.

Trilha sonora

As músicas que compõem a trilha sonora foram escolhidas a dedo por Todd Haynes e pelo supervisor musical Randall Poster. A seleção conta com alguns temas raros e outros bem conhecidos do catálogo da banda, como as doces “Sunday Morning”, “Femme Fatale”; as icônicas “I’m Waiting for the Man”, “Sweet Jane” e “Pale Blue Eyes”; além das cáusticas e ásperas “Venus In Furs”, “Sister Ray” e “Heroin”.

O filme também esquadrinha as influências artísticas dos membros do Velvet Underground e apresenta canções de músicos diversos, como o compositor vanguardista La Monte Young, o grupo de doo-wop The Diablos e um dos iconoclastas do rock ‘n’ roll Bo Diddley.

Padrinho de peso 

O documentário explora também a importância de Andy Warhol na história da banda e revela como o grande expoente da pop art ajudou a catalisar o processo criativo dos Velvets.

Warhol foi o manager e produtor da banda e o responsável, inclusive, por conseguir para eles o contrato para a gravação do icônico disco de estreia do quarteto, “The Velvet Underground and Nico” (1967). Ele ainda criou o famoso logo para o “álbum da banana” com a célebre frase “peel slowly and see” (“descasque devagar para ver”, em tradução livre).

Buscando expandir a influência da Factory – um superateliê montado por ele e que servia de ponto de encontro para a turma do underground nova-iorquino – no mundo das artes, Warhol decidiu que era hora de incluir uma banda em sua trupe e integrou o VU no seu show multimídia itinerante, o lendário Exploding Plastic Inevitable.

Para Warhol, o som caótico e perturbador do grupo era a antítese perfeita contra o movimento hippie que dominava a Califórnia e a América. 

“Estamos patrocinando uma banda chamada Velvet Underground. Como não acredito mais na pintura, achei que esse seria um bom jeito de combinar música, arte e cinema num pacote só. Eles fazem parte da maior discoteca do mundo”, diz Warhol em um trecho do filme.

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Entre os momentos preciosos do documentário estão os excertos de filmes de Andy Warhol com material de shows do Velvet tocando nos galpões da Factory.

“Claramente, os filmes de Warhol estavam no centro de todo o processo, mas também queríamos incluir cenas que transmitissem o teor e a energia da música que está sendo apresentada. Trabalhamos muito duro para que o resultado final refletisse isso”, resume.

O documentário revela ainda momentos de tensão, cisão e desencanto dentro dos Velvets, como quando Lou Reed despediu da banda Warhol e John Cale – membro fundador e um dos arquitetos da verve mais experimental e inventiva do grupo.

“The Velvet Underground” consegue expor um panorama bem interessante sobre a trajetória do conjunto, e tudo sem precisar se emaranhar em teorias ou análises profundas sobre a importância do grupo para o rock.

Segundo Haynes, isso foi planejado desde o início.

“Há um monte de gente por aí, incluindo críticos, historiadores e musicólogos, que poderia dissecar a obra do Velvet Underground e dizer o quão significativo eles foram para a música pop”, comenta o diretor.

“Mas a verdade é que eu nunca quis fazer um filme que provasse a grandeza do grupo. Minha intenção era mostrar os acontecimentos e deixar o espectador decidir o que ele acha da banda. Tenho certeza de que a música dará o verdadeiro testemunho do valor do Velvet Underground para a história”, arremata.

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